segunda-feira, janeiro 11, 2021
sábado, março 23, 2019
Skatistas superpoderosas
Skatistas superpoderosas
ANA BONATTO
free-lance para a Folha Online
A skatista Karen Feitosa, de 11 anos, arrebentou e levou o primeiro lugar na etapa continental do Mundial de Skate, o Crail World Cup, realizado no último final de semana (10 e 11 de novembro de 2001) no Ginásio Poliesportivo de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).
Karen mora no Guarujá (litoral de São Paulo) e começou a andar aos 9 anos, mas já perdeu a conta do número de competições que correu. "Acho que 30", diz. Para Karen, competir é legal e diz que gosta de fazer as manobras em qualquer lugar. "A que mais gosto? Flip (manobra em que o skatista gira o skate no ar)". A mãe, Ana Maria Feitosa de Barros, 45 anos, que acompanha Karen em todas as competições, diz que a filha -além de ser a supercampeã- tem ótimas notas na escola e ainda tem tempo para jogar capoeira e futebol.
Apesar do sucesso de Karen e da existência de uma etapa feminina no campeonato, as meninas ainda brigam muito por reconhecimento e espaço em um universo onde os meninos são a maioria.
Tatiane Marques, 20 anos, anda há três anos e diz que as competições divulgam as atletas, mas ainda falta muito para que tenham o mesmo destaque que os meninos. "Nós já mostramos que temos capacidade, e que as meninas têm condições de realizar as mesmas manobras dos garotos."
Giuliana Ricomin, 26 anos, é casada com um skatista e anda há 13 anos. Para ela, a situação é injusta, pois o marido consegue ganhar o suficiente para viver do esporte, e ela não. "Quando o esporte começou, não havia muitas meninas. As pessoas não estão acostumadas com as skatistas."
Larissa Carollo, 16 anos, que venceu a etapa do ano passado, ficou em terceiro lugar agora. "Fui mal, pois perdi o aquecimento", diz. Para ela, que começou a andar aos 12 anos, hoje, as meninas estão com muito mais força. "Mas, para algumas manobras, a estrutura das meninas é mais fraca que a dos meninos", diz a skatista, que mora no Paraná.
https://www1.folha.uol.com.br/folha/criancas/esporte-2001-campeonato_skate.shtml
ANA BONATTO
free-lance para a Folha Online
Leandro Andrade |
Larissa, Karen e Patricia (da esq. para a dir.) são as superpoderosas do skate nacional |
A skatista Karen Feitosa, de 11 anos, arrebentou e levou o primeiro lugar na etapa continental do Mundial de Skate, o Crail World Cup, realizado no último final de semana (10 e 11 de novembro de 2001) no Ginásio Poliesportivo de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).
Karen mora no Guarujá (litoral de São Paulo) e começou a andar aos 9 anos, mas já perdeu a conta do número de competições que correu. "Acho que 30", diz. Para Karen, competir é legal e diz que gosta de fazer as manobras em qualquer lugar. "A que mais gosto? Flip (manobra em que o skatista gira o skate no ar)". A mãe, Ana Maria Feitosa de Barros, 45 anos, que acompanha Karen em todas as competições, diz que a filha -além de ser a supercampeã- tem ótimas notas na escola e ainda tem tempo para jogar capoeira e futebol.
Apesar do sucesso de Karen e da existência de uma etapa feminina no campeonato, as meninas ainda brigam muito por reconhecimento e espaço em um universo onde os meninos são a maioria.
Leandro Andrade |
Rosemary, que ficou em 10º na etapa |
Giuliana Ricomin, 26 anos, é casada com um skatista e anda há 13 anos. Para ela, a situação é injusta, pois o marido consegue ganhar o suficiente para viver do esporte, e ela não. "Quando o esporte começou, não havia muitas meninas. As pessoas não estão acostumadas com as skatistas."
Larissa Carollo, 16 anos, que venceu a etapa do ano passado, ficou em terceiro lugar agora. "Fui mal, pois perdi o aquecimento", diz. Para ela, que começou a andar aos 12 anos, hoje, as meninas estão com muito mais força. "Mas, para algumas manobras, a estrutura das meninas é mais fraca que a dos meninos", diz a skatista, que mora no Paraná.
https://www1.folha.uol.com.br/folha/criancas/esporte-2001-campeonato_skate.shtml
quarta-feira, março 06, 2019
quinta-feira, maio 31, 2018
Barrados no concurso - revista Ensino Superior / por Analice Bonatto
http://www.revistaensinosuperior.com.br/barrados-no-concurso/
Falta do nome do curso em edital de concurso pode impedir um docente de trabalhar e deixar uma turma sem professor
Analice Bonatto Falta do nome do curso em edital de concurso pode impedir um docente de trabalhar e deixar uma turma sem professor
O edital de um concurso para a contratação de docentes de ciências para o ensino fundamental II e médio na rede municipal de São Paulo em 2011 trouxe à tona um problema que em nada contribui para a redução do déficit de professores no Brasil. Naquele ano, devido a informações incompletas na descrição do edital, diversos docentes qualificados que haviam sido aprovados no concurso foram impedidos de trabalhar. Tudo porque o curso não constava do edital lançado pela prefeitura da capital paulista em 2011.
Este é o caso da professora Cláudia Regina Pereira Ribeiro, que, aprovada no concurso da prefeitura de São Paulo em 2011, somente pôde tomar posse de seu cargo após concorrer e passar novamente no concurso realizado no ano seguinte, quando o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) finalmente foi incluído no edital.
#R#
Com formação plena para lecionar ciências no segundo ciclo do ensino fundamental e no médio, Cláudia conta que não se preocupou com o fato de o nome do curso não constar do edital de 2011 porque colegas de sua turma (de 2008) já haviam ingressado no concurso aplicado pela prefeitura em 2009. No entanto, quando ela e alguns colegas tentaram ingressar, foram informados de que a Diretoria de Ensino não submeteria à análise os diplomas que não constavam no edital.
Ações na justiçaCláudia, assim como outros professores do curso de LCN, teve de recorrer à Justiça para dar aula após passarem no concurso aplicado em 2011. Mesmo com as ações impetradas na Justiça, diferentes encaminhamentos dos processos deram destinos diferentes aos professores.
A professora e outros seis colegas procuraram a advogada Kátia Cristina da Silva Muniz, que entrou com um mandado de segurança com pedido de liminar. Um dos professores não conseguiu a liminar e ficou sem trabalhar durante todo o ano de 2012. Os outros que conseguiram a liminar trabalharam no ano passado. Em todo caso, houve grande desgaste emocional dos professores pelo contexto de insegurança ao longo do ano. “Outra grande preocupação foi passar no concurso realizado pela prefeitura em 2012, já que não sabíamos até quando estaríamos trabalhando”, conta Cláudia, que é professora concursada na rede estadual de SP desde 2011.
A advogada explica que a professora teve a sentença procedente e o juiz manteve a liminar, mas a prefeitura apresentou recurso e, na segunda instância, os desembargadores deram razão à prefeitura e ela perdeu. Mas, como a professora prestou esse segundo concurso – já com a nomenclatura incluída no edital – e foi aprovada, teve de pedir exoneração do cargo para tomar posse do novo. Ela e alguns professores fizeram o novo concurso também porque a inclusão no edital não tem efeito retroativo, assim já anteciparam uma possível decisão negativa. Cláudia conta que foi para outra escola. “Essa é mais distante, além disso, será preciso começar de novo para criar vínculos com os alunos e com a escola.”
Diferentes destinosA advogada Kátia conta que uma das liminares deferidas para uma das candidatas foi confirmada pelo juiz, o qual a tornou definitiva, sendo que a prefeitura de São Paulo, por algum motivo, não recorreu. Assim, o direito a dar aula dessa professora se tornou definitivo. No caso dos outros professores, houve posicionamentos diversos e cada processo está numa fase diferente. A professora Kátia Oliveira, que cursou a licenciatura em Ciências da Natureza, leciona desde 2012 também com base em uma liminar. Confiante, ela ainda aguarda uma decisão. “Fiquei cinco anos na faculdade, foi sacrificado para todos e isso não pode ser jogado fora.”
Segundo a advogada, a documentação apresentada deixa claro que o diploma, independentemente da nomenclatura, habilita esses professores a lecionarem no EF II e EM. Além de pareceres do Conselho Estadual de Educação, manifestação da prefeitura extrajudicialmente – da época em que esses professores ainda estudavam -, encaminhada à USP dizia que se fossem aprovados, a pasta se comprometia a interceder para que não houvesse problema.
O coordenador do curso de LCN, Thomás Augusto Santoro Haddad, tem a carta da coordenadora anterior do curso encaminhada à coordenadoria de normas da Secretaria Municipal de Educação solicitando a inclusão do curso no edital de 2009. “A prefeitura respondeu que trataria do assunto quando algum portador desse diploma fosse aprovado num concurso. Isso possibilitaria uma posição concludente sobre a possibilidade de inserção desses formandos nas escolas da rede municipal”. Mas foi incluído só em 2012. Ou seja, três anos depois de a prefeitura já ter sido informada sobre o curso. “Tenho uma carta assinada pela então secretária adjunta municipal de Educação de São Paulo Célia Falótico que mostra claramente que a secretaria sabia que existíamos”, relata.
Em busca de soluções
O caminho para ser professor às vezes é tão dificultado pela burocracia que acaba desmotivando até mesmo docentes pós-graduados que fazem questão de lecionar na Educação Básica – que tanto precisa de professores dessas áreas. A questão é tão séria que tramita no Senado o projeto de lei (PLS74/2010) que propõe a criação de um conjunto de normas para garantir a transparência dos concursos públicos. E regras claras são fundamentais para dar condições iguais aos candidatos.
Para a geóloga e coordenadora do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da USP, Denise de La Corte Bacci, o grande problema enfrentado hoje é que as pessoas ainda não conhecem os novos cursos que estão sendo ministrados, a exemplo do LCN.
Segundo ela, o que acontece é que os professores formados nesses novos cursos, conforme sua carga horária, conseguem dar aulas na rede particular, o que demonstra que os obstáculos só estão acontecendo na rede pública. “Por isso temos divulgado muito esses novos cursos na feira de profissões da USP, em congressos e nas escolas. Precisamos ir para a área de gestão para que as pessoas que estão nesses cargos consigam entender a importância do curso e dizer: estamos formando profissionais adequados”, diz.
Segundo a coordenadora, os currículos hoje ainda são muito presos às disciplinas; ela sugere que os editais poderiam abranger grandes áreas ou temas. Denise conta que a USP acabou de realizar um evento em que se discutiu exatamente a questão da interdisciplinaridade: o “Encontro Acadêmico Interdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão”. Segundo a coordenadora, é preciso romper essas barreiras disciplinares – trazer um aluno formado para esse mundo de hoje.
Concurso anterior
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Elder de Lima Magalhães é professor de ciências do EF II e EM na rede municipal paulistana desde 2010. Interessado no tema ciências da terra decidiu-se pelo então novo curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da USP em 2004. Ele participou do concurso da prefeitura, aplicado em 2009, e passou. Quando foi tomar posse, em abril de 2010, foi informado na Diretoria de Ensino que sua documentação seria submetida à análise do Conselho Municipal. Em julho do mesmo ano foi publicado parecer favorável e desde agosto ele dá aulas de ciências na mesma escola. Questionada se este tipo de decisão abre precedente para outro professor, a advogada Kátia Cristina da Silva Muniz explica que não – se a prefeitura, por liberalidade, aceitou e depois, por algum motivo, resolveu indeferir por não constar no edital, isso é possível porque a lei diz que o edital faz lei entre as partes, ou seja, se não está no edital, depende de uma análise. Agora, quando a prefeitura não faz a análise pela via extrajudicial, a decisão depende de uma análise judicial. “Alguns juízes entenderam que pelo simples fato de a nomenclatura não constar no edital esses candidatos não poderiam tomar posse para não prejudicar os outros candidatos que também foram aprovados numa classificação menor porque o curso deles constava”, explica. |
Em outras redes
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A incongruência nas informações dos editais para concursos de professores não afetou só os do curso de LCN. A professora Naiane Pereira de Melo, que é formada no curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), passou no concurso de 2012 e, ao tomar posse, também recebeu a informação na DRE de que seu currículo nem poderia ser enviado para análise. Por motivos pessoais, ela não entrou na Justiça. Ela não entendeu o procedimento porque, segundo ela, colegas de sua classe atuam na rede municipal desde 2010. Para Naiane, é preciso repetir o processo feito pelo curso de LCN. Se tivesse tomado posse, Naiane, que é mestre em Educação pela USP na área de Ensino de Ciências e Matemática, trabalharia numa escola localizada a cerca de quinze minutos de sua residência. No entanto, leva cerca de duas horas para chegar ao trabalho: foi contratada, por seis meses, pela rede municipal de Barueri, na Grande São Paulo. “Agora eles abriram concurso e até já me inscrevi”, diz. Lá, o edital solicita professores para dar aula de ciências e os currículos são para áreas afins. Tanto a professora Cláudia como Naiane têm colegas de classe aprovados para o mesmo cargo no concurso aplicado em 2009 que atuam na rede municipal paulistana desde 2010. O que mudou do concurso de 2009 para os outros? Questionada, a prefeitura afirmou em nota que o nome do curso deve constar no edital do concurso. |
Prova docente ainda é promessa
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Há anos o governo promete organizar uma Prova Docente com o objetivo de subsidiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no processo de seleção de docentes para a Educação Básica. Com um concurso nacional, as secretarias teriam oportunidade de atrair os melhores profissionais para seus quadros. Mas anda a passos lentos o processo para a avaliação se tornar realidade. Segundo o Inep, órgão responsável pelo desenvolvimento da prova, após a análise dos resultados do pré-teste, realizado em setembro de 2012, a Matriz de Referência está sendo validada psicométrica e pedagogicamente e estará pronta para subsidiar a Prova Docente, que ainda não tem seu cronograma definido. Mesmo assim, o órgão elenca as vantagens da prova nacional: será mais fácil para as secretarias se planejarem com uma seleção periódica; a secretaria não precisará acumular vagas para realizar concurso, ou seja, ficar com o quadro de professores defasado e dependente de terceirizados; a seleção reduz o custo e o trabalho das secretarias na organização e execução de concursos e tem-se uma qualidade efetiva do processo. |
O professor na educação do século 21
http://www.funadesp.org.br/clipping/noticias/479-o-professor-na-educacao-do-seculo-21
Autor: Analice Bonatto
Fonte: Portal Gestão Educacional
Autor: Analice Bonatto
Fonte: Portal Gestão Educacional
Outro
professor e outra escola são necessários para atender às demandas do
século 21, afirma o pesquisador e professor português António Nóvoa, um
dos maiores especialistas em formação de professores. Ele esteve em São
Paulo para o I Congresso Internacional e o III Congresso Nacional de
Dificuldades de Ensino e Aprendizagem – Diversidade no Ensinar e
Aprender: Educação, Saúde e
Sociedade, promovidos pela Associação Nacional de Dificuldades de
Ensino e Aprendizagem (Andea) e pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie em agosto de 2013, e defendeu a necessidade de diálogo aberto
com os colegas e a importância dos espaços para trocas de experiências.
Antes do evento, Nóvoa concedeu uma entrevista exclusiva à Gestão
Educacional. O ex-reitor da Universidade de Lisboa destacou que não se
aprende por meio de um ensino transmissivo, mas a partir de pequenas
redes e pequenos grupos, os quais não dependem apenas da proximidade
física. Para ele, o desafio da aprendizagem não é mais a aquisição do
conhecimento, mas fazer com que o aluno seja capaz de dar sentido às
coisas, compreendê-las e contextualizá-las. Acompanhe a entrevista a
seguir
Gestão Educacional: Por que é necessário repensar o papel do educador na contemporaneidade?
António Nóvoa: Porque
hoje as tarefas do professor são muito diferentes do que eram no
passado. E os professores e as escolas vivem ainda em um mundo que em
grande parte já não existe. Às vezes, nossas escolas se parecem com o
brilho daquelas estrelas de que ainda vemos a luz, mas já estão mortas,
extintas. Eu creio que precisamos de outro professor e de outra escola
no século 21.
Gestão Educacional: Qual é o maior desafio no que se refere ao papel da escola no século 21?
Nóvoa: A
aprendizagem é o grande desafio. O filósofo francês Michel Serres chama
os novos alunos de geração do pequeno polegar. Ele explica que é uma
geração que não se comunica, não pensa e não aprende da mesma maneira
que as anteriores. Os novos alunos têm outras maneiras de estar na vida,
de aprender, de trabalhar com
o cérebro, e nós ainda não nos adaptamos a isso, mas é preciso que essa
adaptação se faça. Se não compreendermos isso, podemos criar um fosso
geracional que dificultará encontrar as melhores maneiras de conduzir
esses jovens à aprendizagem. No passado, aprendíamos uma coisa e depois
comunicávamos essa coisa. Havia dois momentos: o de aprender e o de
comunicar o que aprendíamos. Hoje, esses dois momentos não existem,
porque é no próprio processo de comunicação que se gera aprendizagem e
conhecimento. Por isso, a comunicação tem valor diferente do que tinha
no passado, valor que, muitas vezes, não compreendemos ainda e não
estamos suficientemente atentos a ele. Olhamos muitas vezes para a
comunicação como indisciplina, incapacidade ou para o aluno que está
disperso a fazer coisas que não as que pedimos para fazer, ao invés de
conseguirmos utilizar a nosso favor esse potencial de comunicação que
existe nas novas gerações.
Gestão Educacional: Como o professor deve ensinar os alunos da geração do pequeno polegar?
Nóvoa: Isso
implica obviamente um conjunto de mudanças que leve à percepção de que,
muito mais do que consumir conhecimento, é importante a criação de
conhecimento na escola. É no ato da criação que se dá a dinâmica da
aprendizagem. Mas é claro que não se cria em cima do nada, não se cria
no vazio, mas a partir de um conjunto de atividades. [É preciso]
perceber a importância das redes, pois não se aprende por meio de um
ensino transmissivo, mas a partir de pequenas redes, de pequenos grupos
que podem ser de proximidade física ou de internet. Esse potencial que
está nas redes é imenso e se aprende por meio de um exercício de
capacidade de ligar e sistematizar conhecimentos, muito mais do que a
partir da ideia de que é preciso se apropriar do conhecimento e ter um
ensino transmissível etc. Hoje, o desafio da aprendizagem não é o da
aquisição do conhecimento. O nosso problema é fazer com que o aluno seja
capaz de dar sentido às coisas, compreendê-las e contextualizá-las.
Gestão Educacional: Quais mudanças são necessárias para que a escola seja capaz de atender a esses desafios?
Nóvoa: Ela
tem de ser uma escola também construída em redes, em espaços
diferentes. A sala de aula é uma ideia que progressivamente vai
desaparecer para se criarem outros espaços. E isso implica que os
professores coletivamente se apropriem desses espaços e deem sentido ao
seu trabalho escolar. Nós já não precisamos de bons professores, que
deem boas aulas em salas de aula. É melhor que deem boas aulas do que
más aulas (risos), mas não é disso que precisamos. Hoje precisamos de um
professor capaz de trabalhar com
os outros colegas, que seja capaz de organizar as atividades do
conjunto da escola em sua imensa diversidade, e não como em uma fábrica.
Gestão Educacional: Se cada escola é única, qual é o caminho para melhor proveito dopotencialdelas?
Nóvoa: Esse
é um dos grandes desafios que temos pela frente. Eu me recordo daquela
célebre frase de Jules Ferry[ministro francês da Instrução Pública no
final do século 19], o homem que instalou o ensino laico, obrigatório e
republicano, que disse uma vez, sentado em seu gabinete: “não há nada
que me dê mais prazer na vida do que saber que neste dia, nesta hora, às
10 horas da manhã, todos os alunos, em toda França, estão a fazer o
mesmo ditado”. Essa ideia de uniformização levada ao extremo por essa
frase é obviamente o contrário do que precisamos hoje. Nós precisamos de
uma escola que esteja enraizada na sociedade, em suas diferenças e que,
por isso, seja capaz de construir projetos distintos e escolas
diferentes. As escolas de formação de professores até 40, 50 anos atrás,
em todo o mundo, chamavam-se escolas normais. E por que se chamavam
assim? Porque eram escolas que pretendiam normalizar o ensino. Temos de
fazer exatamente o contrário. Hoje, nós precisamos de escolas anormais.
Precisamos de escolas que sejam o contrário dessa normalização e possam
atender à diversidade de situações.
Gestão Educacional: Qual o papel do professor nesse processo?
Nóvoa: Todas
essas mudanças levam a uma grande transformação do que são os processos
de aprendizagem e, por essa via, isso também é papel do educador na
contemporaneidade. O grande educador português Sérgio Niza diz que é
preciso que os professores aprendam com a medicina a fazer diagnósticos.
O professor precisa saber o que faz falta a uma criança ao invés de
empurrá-la para fora da escola, de excluí-la da sociedade. Ele precisa
utilizar o seu conhecimento em prol da inclusão e da capacidade de
ensinar as crianças que não têm projeto escolar inscrito no seu percurso
de vida. E, hoje, cuidar do aluno é cuidar de sua aprendizagem.
Gestão Educacional: Nesse contexto, qual a importância da formação continuada e da atualização do professor?
Nóvoa: Para
que esse professor capaz de trabalhar com os outros colegas possa
emergir, é preciso que haja um trabalho permanente de formação
continuada. Uma formação continuada que não é ir fazer cursos, simpósios
ou encontros, mas que está no interior do próprio trabalho da escola. A
formação continuada se faz nesse exercício de
procura, de reflexão e de debate. Muitas vezes, é preciso convidar
alguém para ir à escola trabalhar com o grupo certas matérias ou as
questões de tecnologia. Mas a formação continuada não é fazer curso
disso ou daquilo, porque isso é completamente inútil do ponto de vista
da formação continuada. No fundo, o que eu disse sobre a aprendizagem é
coerente com a organização da escola: no interior da organização da
escola está o problema da formação continuada do professor.
Gestão
Educacional: No Brasil, várias reformas educacionais já foram feitas.
Entretanto, os cursos de formação docente continuam obsoletos. A
formação docente deve ser encarada como prioridade para resultados
eficientes?
Nóvoa: Antes
da formação docente, há um problema que hoje se equaciona em todo
mundo: nós só conseguimos resolver muitos problemas da escola se
conseguimos atrair para a profissão docente os melhores jovens, os mais
motivados etc. Por muitas razões, os jovens não vêm para a profissão
docente no Brasil nem no mundo. É uma profissão desprestigiada, muito
violenta e muito difícil, mas que as pessoas acham que é fácil de
desempenhar. Depois, temos um grande investimento para fazer na formação
docente, e os cursos de formação estão totalmente inadequados e
desajustados. Hoje, eles pararam no tempo e não têm sido capazes de se
renovarem e se reorganizarem. Há ainda um terceiro problema, e que
talvez seja o maior de todos, que é a fase de indução profissional, isto
é, quando a pessoa acaba o curso e começa a ser professor. Esses dois
ou três primeiros anos iniciais, momento em que se introduz alguém na
profissão, são os anos decisivos do professor. Há 50 anos sabemos que
esses são os anos mais importantes; no entanto, as pessoas estão
completamente desprotegidas e sozinhas. E, depois, a formação continuada
na perspectiva de que já falamos, ou seja, centrada na escola e em
práticas de formação cooperada. No fundo, temos etapas importantes: o
recrutamento, que é um tema muito importante das políticas públicas
hoje, os programas de recrutamento do professor, a fase de indução
profissional e, depois, a formação continuada.
Gestão Educacional: Qual a importância da valorização do professor nesse processo?
Nóvoa: Claro
que as questões salariais são muito importantes nesse processo. Eu
sempre digo aqui no Brasil que não há grande diferença entre o salário
de um professor primário e o de um professor da universidade em
Portugal. Já aqui há uma diferença enorme entre um e outro. Há também um
problema de afirmação de uma cultura profissional, a qual chamo de
colegialidade docente, que é a capacidade de trabalhar em conjunto. Tudo
isso são fatores muito importantes de afirmação do prestígio do
professorado, mas é claro que é uma guerra que vai demorar muito tempo.
Gestão Educacional: Como isso deve acontecer na prática?
Nóvoa: Depende
muito de fenômenos que são internos e externos. O estatuto salarial e
as condições de trabalho nas escolas – porque não há prestígio quando o
professor está em duas ou três escolas – são exemplos de fenômenos
externos. Outro [fenômeno] muito importante (que por razões históricas
seria complicado explicar agora) é que os professores perderam o
controle da formação dos professores, isto é, quem forma o professor não
é outro professor. Ele é formado por pessoas que estão nas
universidades e, muitas vezes, nunca entraram em uma sala de aula. Houve
um afastamento entre a profissão e a formação. Isso desprestigia porque
transforma a formação numa coisa mais técnica do que propriamente
profissional. É preciso políticas que valorizem salarialmente o
professor e que, nas universidades, aproximem os professores da
formação. Os problemas internos à profissão residem em uma espécie de
cultura individualista, na dificuldade de trabalhar em conjunto e nas
dificuldades de ter práticas de avaliação da profissão. Por exemplo, um
professor pode conviver facilmente com outro, em uma sala de aula ao
lado da dele, que trata mal os alunos e é incompetente. O professor pode
viver 10, 20 anos com isso porque sabe que, se for levantar algum
problema, isso vai trazer um conflito. Os médicos, por exemplo, não
convivem com isso. Se um médico cometer dois ou três erros
profissionais, as pessoas reagem. Há uma dinâmica de autoavaliação no
interior da profissão.
Gestão
Educacional: Em muitas escolas, os alunos questionam a autoridade do
professor e, até mesmo, são violentos. Como o professor pode fazer o
aluno respeitar o ambiente à sua volta?
Nóvoa: As
gerações anteriores sempre acham que se perdeu autoridade e que já não
há respeito. O que se escrevia há 50 anos sobre autoridade e desrespeito
é muito pior do que se passa hoje. Eu não digo que hoje não há
problema; é claro que há, mas é preciso distinguir duas ordens de
problemas: o discurso da indisciplina e o discurso da violência, que é
inaceitável, porque violência na escola não pode acontecer de forma
alguma. A indisciplina também não, mas é preciso ver de que tipo de
situação estamos falando. E é preciso inteligência para lidar com isso.
Acho que há muitos professores que têm uma espécie de autoridade
natural, que se impõe por ela própria, e há professores que, por mais
autoritários que sejam, não têm autoridade nenhuma. Aliás, isso nos
remete ao pensador suíço [Jean Jacques] Rousseau,quando escreveu no
livro Emílio que “a criança só deve fazer o que quer”. Essa frase é
sempre citada pelos educadores, mas as pessoas não leem o que ele
escreveu a seguir: “mas só deve querer aquilo que os professores querem
que ela queira. A criança não deve dar um passo sem que o professor
saiba o que ela vai fazer, a criança não deve abrir a boca sem que o
professor saiba o que ela vai dizer". Isso é a ideia de uma autoridade
que não se impõe pela força, mas pela capacidade de perceber o aluno e
compreender o que ele vai fazer. Agora, se o professor deve ter
autoridade? Claro, mas, para mim, a melhor definição é a do [filósofo
alemão Immanuel] Kant, quando ele diz que o professor deve ter
autoridade, mas que ela deve ser posta sempre a serviço da liberdade do
aluno. Eu acho que é o ensinamento mais importante na área da educação: a
autoridade não é para formar escravos, mas cidadãos livres e, por isso,
ela deve ser posta a serviço da liberdade do aluno.
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