sexta-feira, julho 16, 2010

do ponto de vista de um gato


   
"Nada há de mais inescrutável do que a psicologia humana. É impossível discernir o atual estado de meu amo, se está irritado ou em paz, ou se continua procurando conforto nos escritos de filósofos defuntos. Não faço qualquer idéia se zomba da sociedade ou se a ela deseja se misturar, se está irado com coisas supérfluas ou muito acima das efemérides mundanas. Comparado a isso, gatos são criaturas simples. Quando temos fome, comemos; quando a vontade de dormir bate, dormimos; quando nos zangamos, ficamos realmente irados; e se choramos, é de forma desesperada. Em primeiro lugar, não mantemos algo tão inútil como um diário. Isso porque nos é desnecessário. Humanos de duas caras como meu amo provavelmente precisam escrever diários para neles extravasar, como em uma câmara escura, um lado de seu caráter camuflado perante a sociedade. Mas o verdadeiro diário dos que pertencem à espécie felina corresponde aos quatro comportamentos cardeais – andar, parar, sentar, deitar – e às atividades excretivas, que preenchem nosso cotidiano, inexistindo pois, em meu entender, necessidade em especial de preservar nosso verdadeiro caráter por meio de procedimentos de tal modo maçantes. Tivéssemos tempo para manter um diário, seria melhor desfrutar esse tempo cochilando na varanda."

Eu sou um gato
Natsume Soseki
Tradução do japonês e notas Jefferson José Teixeira
Estação Liberdade

quinta-feira, julho 15, 2010

Certeza de que não estamos certos

“Desejo de ir além das aparências,
tentar descobrir nas pessoas
qualquer coisa imperceptível aos sentidos comuns.
Compreensão de que as diferenças não
constituem razão para nos afastarmos, nos odiarmos.
Certeza de que não estamos certos, aptidão para
enxergarmos pedaços de verdade nos absurdos mais claros.
Necessidade de compreender, e se isto é impossível,
a pura aceitação do pensamento alheio”.
Graciliano Ramos

quarta-feira, julho 14, 2010

retalhos e tijolos

“Com tais detritos, (as crianças) não imitam o mundo dos adultos, mas colocam os restos e resíduos em uma relação nova e original. Assim, as próprias crianças constroem seu mundo de coisas, um microcosmos no macrocosmos. O conto de fadas é uma dessas criações compostas de detritos – talvez a mais poderosa na vida espiritual da humanidade, surgida no processo de produção e decadência da saga. A criança lida com os elementos dos contos de fadas de modo tão soberano e imparcial como com retalhos e tijolos”.
Walter Benjamin


[...] Freud pergunta: ‘Será que deveríamos procurar já na infância os primeiros traços de atividade imaginativa? A ocupação favorita e mais intensa da criança é o brinquedo ou os jogos. Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade? Seria errado supor que a criança não leva a sério a sua brincadeira e dispende na mesma muita emoção. A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real. [...] O escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoções, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a realidade. A linguagem preservou essa relação entre o brincar infantil e a criação poética.’
Outros heróis e esse graciliano
(FELINTO, 1983, p. 44-45).

personagem

“Só posso escrever o que sou.
E se as personagens
se comportam de modos diferentes,
é porque não sou um só”
Graciliano Ramos

quarta-feira, julho 07, 2010

When the night has come

"O viajante surpreendido pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus próprios temores; mas, apesar de tudo isto, não enxergará mais do que um palmo adiante do nariz." Freud

"Não sei até que ponto não seremos por toda a vida um menino/uma menina a assobiar no escuro." Lobo Antunes

(...)
"Down the dark streets, the houses looked the same,
getting darker now, faces look the same,
and I walked round and round,
No stomach, torn apart,
nail me to a train.
Had to think again
trying to find a clue, trying to find a way to get out.
Trying to move away, had to move away and keep out."
Interzone
Joy Division


(...)
Walk in silence,
Don´t walk away in silence.
See the danger,
Always danger.
Endless talking,
Life rebuilding,
Don´t walk away."
Atmosphere
Joy Division


"When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we see
No I won't be afraid
No I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me
"Stand by Me", de Ben E. King