sexta-feira, julho 16, 2010
do ponto de vista de um gato
"Nada há de mais inescrutável do que a psicologia humana. É impossível discernir o atual estado de meu amo, se está irritado ou em paz, ou se continua procurando conforto nos escritos de filósofos defuntos. Não faço qualquer idéia se zomba da sociedade ou se a ela deseja se misturar, se está irado com coisas supérfluas ou muito acima das efemérides mundanas. Comparado a isso, gatos são criaturas simples. Quando temos fome, comemos; quando a vontade de dormir bate, dormimos; quando nos zangamos, ficamos realmente irados; e se choramos, é de forma desesperada. Em primeiro lugar, não mantemos algo tão inútil como um diário. Isso porque nos é desnecessário. Humanos de duas caras como meu amo provavelmente precisam escrever diários para neles extravasar, como em uma câmara escura, um lado de seu caráter camuflado perante a sociedade. Mas o verdadeiro diário dos que pertencem à espécie felina corresponde aos quatro comportamentos cardeais – andar, parar, sentar, deitar – e às atividades excretivas, que preenchem nosso cotidiano, inexistindo pois, em meu entender, necessidade em especial de preservar nosso verdadeiro caráter por meio de procedimentos de tal modo maçantes. Tivéssemos tempo para manter um diário, seria melhor desfrutar esse tempo cochilando na varanda."
Eu sou um gato
Natsume Soseki
Tradução do japonês e notas Jefferson José Teixeira
Estação Liberdade
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