quinta-feira, maio 31, 2018

Mercado para gestores públicos / por Analice Bonatto

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Barrados no concurso - revista Ensino Superior / por Analice Bonatto

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Falta do nome do curso em edital de concurso pode impedir um docente de trabalhar e deixar uma turma sem professor


O edital de um concurso para a contratação de docentes de ciências para o ensino fundamental II e médio na rede municipal de São Paulo em 2011 trouxe à tona um problema que em nada contribui para a redução do déficit de professores no Brasil. Naquele ano, devido a informações incompletas na descrição do edital, diversos docentes qualificados que haviam sido aprovados no concurso foram impedidos de trabalhar. Tudo porque o curso não constava do edital lançado pela prefeitura da capital paulista em 2011.

Este é o caso da professora Cláudia Regina Pereira Ribeiro, que, aprovada no concurso da prefeitura de São Paulo em 2011, somente pôde tomar posse de seu cargo após concorrer e passar novamente no concurso realizado no ano seguinte, quando o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) finalmente foi incluído no edital.
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Com formação plena para lecionar ciências no segundo ciclo do ensino fundamental e no médio, Cláudia conta que não se preocupou com o fato de o nome do curso não constar do edital de 2011 porque colegas de sua turma (de 2008) já haviam ingressado no concurso aplicado pela prefeitura em 2009. No entanto, quando ela e alguns colegas tentaram ingressar, foram informados de que a Diretoria de Ensino não submeteria à análise os diplomas que não constavam no edital.

Ações na justiçaCláudia, assim como outros professores do curso de LCN, teve de recorrer à Justiça para dar aula após passarem no concurso aplicado em 2011. Mesmo com as ações impetradas na Justiça, diferentes encaminhamentos dos processos deram destinos diferentes aos professores.

A professora e outros seis colegas procuraram a advogada Kátia Cristina da Silva Muniz, que entrou com um mandado de segurança com pedido de liminar. Um dos professores não conseguiu a liminar e ficou sem trabalhar durante todo o ano de 2012. Os outros que conseguiram a liminar trabalharam no ano passado. Em todo caso, houve grande desgaste emocional dos professores pelo contexto de insegurança ao longo do ano. “Outra grande preocupação foi passar no concurso realizado pela prefeitura em 2012, já que não sabíamos até quando estaríamos trabalhando”, conta Cláudia, que é professora concursada na rede estadual de SP desde 2011.

A advogada explica que a professora teve a sentença procedente e o juiz manteve a liminar, mas a prefeitura apresentou recurso e, na segunda instância, os desembargadores deram razão à prefeitura e ela perdeu. Mas, como a professora prestou esse segundo concurso – já com a nomenclatura incluída no edital – e foi aprovada, teve de pedir exoneração do cargo para tomar posse do novo. Ela e alguns professores fizeram o novo concurso também porque a inclusão no edital não tem efeito retroativo, assim já anteciparam uma possível decisão negativa. Cláudia conta que foi para outra escola. “Essa é mais distante, além disso, será preciso começar de novo para criar vínculos com os alunos e com a escola.”

Diferentes destinosA advogada Kátia conta que uma das liminares deferidas para uma das candidatas foi confirmada pelo juiz, o qual a tornou definitiva, sendo que a prefeitura de São Paulo, por algum motivo, não recorreu. Assim, o direito a dar aula dessa professora se tornou definitivo. No caso dos outros professores, houve posicionamentos diversos e cada processo está numa fase diferente. A professora Kátia Oliveira, que cursou a licenciatura em Ciências da Natureza, leciona desde 2012 também com base em uma liminar. Confiante, ela ainda aguarda uma decisão. “Fiquei cinco anos na faculdade, foi sacrificado para todos e isso não pode ser jogado fora.”

Segundo a advogada, a documentação apresentada deixa claro que o diploma, independentemente da nomenclatura, habilita esses professores a lecionarem no EF II e EM. Além de pareceres do Conselho Estadual de Educação, manifestação da prefeitura extrajudicialmente – da época em que esses professores ainda estudavam -, encaminhada à USP dizia que se fossem aprovados, a pasta se comprometia a interceder para que não houvesse problema.

O coordenador do curso de LCN, Thomás Augusto Santoro Haddad, tem a carta da coordenadora anterior do curso encaminhada à coordenadoria de normas da Secretaria Municipal de Educação solicitando a inclusão do curso no edital de 2009. “A prefeitura respondeu que trataria do assunto quando algum portador desse diploma fosse aprovado num concurso. Isso possibilitaria uma posição concludente sobre a possibilidade de inserção desses formandos nas escolas da rede municipal”. Mas foi incluído só em 2012. Ou seja, três anos depois de a prefeitura já ter sido informada sobre o curso. “Tenho uma carta assinada pela então secretária adjunta municipal de Educação de São Paulo Célia Falótico que mostra claramente que a secretaria sabia que existíamos”, relata.

Em busca de soluções
O caminho para ser professor às vezes é tão dificultado pela burocracia que acaba desmotivando até mesmo docentes pós-graduados que fazem questão de lecionar na Educação Básica – que tanto precisa de professores dessas áreas. A questão é tão séria que tramita no Senado o projeto de lei (PLS74/2010) que propõe a criação de um conjunto de normas para garantir a transparência dos concursos públicos. E regras claras são fundamentais para dar condições iguais aos candidatos.

Para a geóloga e coordenadora do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da USP, Denise de La Corte Bacci, o grande problema enfrentado hoje é que as pessoas ainda não conhecem os novos cursos que estão sendo ministrados, a exemplo do LCN.

Segundo ela, o que acontece é que os professores formados nesses novos cursos, conforme sua carga horária, conseguem dar aulas na rede particular, o que demonstra que os obstáculos só estão acontecendo na rede pública. “Por isso temos divulgado muito esses novos cursos na feira de profissões da USP, em congressos e nas escolas. Precisamos ir para a área de gestão para que as pessoas que estão nesses cargos consigam entender a importância do curso e dizer: estamos formando profissionais adequados”, diz.

Segundo a coordenadora, os currículos hoje ainda são muito presos às disciplinas; ela sugere que os editais poderiam abranger grandes áreas ou temas.  Denise conta que a USP acabou de realizar um evento em que se discutiu exatamente a questão da interdisciplinaridade: o “Encontro Acadêmico Interdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão”. Segundo a coordenadora, é preciso romper essas barreiras disciplinares – trazer um aluno formado para esse mundo de hoje.








Concurso anterior

Elder de Lima Magalhães é professor de ciências do EF II e EM na rede municipal paulistana desde 2010.  Interessado no tema ciências da terra decidiu-se pelo então novo curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da USP em 2004.  Ele participou do concurso da prefeitura, aplicado em 2009, e passou. Quando foi tomar posse, em abril de 2010, foi informado na Diretoria de Ensino que sua documentação seria submetida à análise do Conselho Municipal. Em julho do mesmo ano foi publicado parecer favorável e desde agosto ele dá aulas de ciências na mesma escola. Questionada se este tipo de decisão abre precedente para outro professor, a advogada Kátia Cristina da Silva Muniz explica que não – se a prefeitura, por liberalidade, aceitou e depois, por algum motivo, resolveu indeferir por não constar no edital, isso é possível porque a lei diz que o edital faz lei entre as partes, ou seja, se não está no edital, depende de uma análise. Agora, quando a prefeitura não faz a análise pela via extrajudicial, a decisão depende de uma análise judicial. “Alguns juízes entenderam que pelo simples fato de a nomenclatura não constar no edital esses candidatos não poderiam tomar posse para não prejudicar os outros candidatos que também foram aprovados numa classificação menor porque o curso deles constava”, explica.









Em outras redes

A incongruência nas informações dos editais para concursos de professores não afetou só os do curso de LCN. A professora Naiane Pereira de Melo, que é formada no curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), passou no concurso de 2012 e, ao tomar posse, também recebeu a informação na DRE de que seu currículo nem poderia ser enviado para análise. Por motivos pessoais, ela não entrou na Justiça. Ela não entendeu o procedimento porque, segundo ela, colegas de sua classe atuam na rede municipal desde 2010. Para Naiane, é preciso repetir o processo feito pelo curso de LCN.

Se tivesse tomado posse, Naiane, que é mestre em Educação pela USP na área de Ensino de Ciências e Matemática, trabalharia numa escola localizada a cerca de quinze minutos de sua residência. No entanto, leva cerca de duas horas para chegar ao trabalho: foi contratada, por seis meses, pela rede municipal de Barueri, na Grande São Paulo. “Agora eles abriram concurso e até já me inscrevi”, diz. Lá, o edital solicita professores para dar aula de ciências e os currículos são para áreas afins. Tanto a professora Cláudia como Naiane têm colegas de classe aprovados para o mesmo cargo no concurso aplicado em 2009 que atuam na rede municipal paulistana desde 2010. O que mudou do concurso de 2009 para os outros? Questionada, a prefeitura afirmou em nota que o nome do curso deve constar no edital do concurso.









Prova docente ainda é promessa

Há anos o governo promete organizar uma Prova Docente com o objetivo de subsidiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no processo de seleção de docentes para a Educação Básica. Com um concurso nacional, as secretarias teriam oportunidade de atrair os melhores profissionais para seus quadros. Mas anda a passos lentos o processo para a avaliação se tornar realidade. Segundo o Inep, órgão responsável pelo desenvolvimento da prova, após a análise dos resultados do pré-teste, realizado em setembro de 2012, a Matriz de Referência está sendo validada psicométrica e pedagogicamente e estará pronta para subsidiar a Prova Docente, que ainda não tem seu cronograma definido. Mesmo assim, o órgão elenca as vantagens da prova nacional: será mais fácil para as secretarias se planejarem com uma seleção periódica; a secretaria não precisará acumular vagas para realizar concurso, ou seja, ficar com o quadro de professores defasado e dependente de terceirizados; a seleção reduz o custo e o trabalho das secretarias na organização e execução de concursos e tem-se uma qualidade efetiva do processo.

O professor na educação do século 21


http://www.funadesp.org.br/clipping/noticias/479-o-professor-na-educacao-do-seculo-21 

  Autor: Analice Bonatto
  Fonte: Portal Gestão Educacional

Outro professor e outra escola são necessários para atender às demandas do século 21, afirma o pesquisador e professor português António Nóvoa, um dos maiores especialistas em formação de professores. Ele esteve em São Paulo para o I Congresso Internacional e o III Congresso Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizagem – Diversidade no Ensinar e Aprender: Educação, Saúde e Sociedade, promovidos pela Associação Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizagem (Andea) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em agosto de 2013, e defendeu a necessidade de diálogo aberto com os colegas e a importância dos espaços para trocas de experiências. Antes do evento, Nóvoa concedeu uma entrevista exclusiva à Gestão Educacional. O ex-reitor da Universidade de Lisboa destacou que não se aprende por meio de um ensino transmissivo, mas a partir de pequenas redes e pequenos grupos, os quais não dependem apenas da proximidade física. Para ele, o desafio da aprendizagem não é mais a aquisição do conhecimento, mas fazer com que o aluno seja capaz de dar sentido às coisas, compreendê-las e contextualizá-las. Acompanhe a entrevista a seguir

Gestão Educacional: Por que é necessário repensar o papel do educador na contemporaneidade?
António Nóvoa: Porque hoje as tarefas do professor são muito diferentes do que eram no passado. E os professores e as escolas vivem ainda em um mundo que em grande parte já não existe. Às vezes, nossas escolas se parecem com o brilho daquelas estrelas de que ainda vemos a luz, mas já estão mortas, extintas. Eu creio que precisamos de outro professor e de outra escola no século 21.
Gestão Educacional: Qual é o maior desafio no que se refere ao papel da escola no século 21?
Nóvoa: A aprendizagem é o grande desafio. O filósofo francês Michel Serres chama os novos alunos de geração do pequeno polegar. Ele explica que é uma geração que não se comunica, não pensa e não aprende da mesma maneira que as anteriores. Os novos alunos têm outras maneiras de estar na vida, de aprender, de trabalhar com o cérebro, e nós ainda não nos adaptamos a isso, mas é preciso que essa adaptação se faça. Se não compreendermos isso, podemos criar um fosso geracional que dificultará encontrar as melhores maneiras de conduzir esses jovens à aprendizagem. No passado, aprendíamos uma coisa e depois comunicávamos essa coisa. Havia dois momentos: o de aprender e o de comunicar o que aprendíamos. Hoje, esses dois momentos não existem, porque é no próprio processo de comunicação que se gera aprendizagem e conhecimento. Por isso, a comunicação tem valor diferente do que tinha no passado, valor que, muitas vezes, não compreendemos ainda e não estamos suficientemente atentos a ele. Olhamos muitas vezes para a comunicação como indisciplina, incapacidade ou para o aluno que está disperso a fazer coisas que não as que pedimos para fazer, ao invés de conseguirmos utilizar a nosso favor esse potencial de comunicação que existe nas novas gerações.
Gestão Educacional: Como o professor deve ensinar os alunos da geração do pequeno polegar?
Nóvoa: Isso implica obviamente um conjunto de mudanças que leve à percepção de que, muito mais do que consumir conhecimento, é importante a criação de conhecimento na escola. É no ato da criação que se dá a dinâmica da aprendizagem. Mas é claro que não se cria em cima do nada, não se cria no vazio, mas a partir de um conjunto de atividades. [É preciso] perceber a importância das redes, pois não se aprende por meio de um ensino transmissivo, mas a partir de pequenas redes, de pequenos grupos que podem ser de proximidade física ou de internet. Esse potencial que está nas redes é imenso e se aprende por meio de um exercício de capacidade de ligar e sistematizar conhecimentos, muito mais do que a partir da ideia de que é preciso se apropriar do conhecimento e ter um ensino transmissível etc. Hoje, o desafio da aprendizagem não é o da aquisição do conhecimento. O nosso problema é fazer com que o aluno seja capaz de dar sentido às coisas, compreendê-las e contextualizá-las.
Gestão Educacional: Quais mudanças são necessárias para que a escola seja capaz de atender a esses desafios?
Nóvoa: Ela tem de ser uma escola também construída em redes, em espaços diferentes. A sala de aula é uma ideia que progressivamente vai desaparecer para se criarem outros espaços. E isso implica que os professores coletivamente se apropriem desses espaços e deem sentido ao seu trabalho escolar. Nós já não precisamos de bons professores, que deem boas aulas em salas de aula. É melhor que deem boas aulas do que más aulas (risos), mas não é disso que precisamos. Hoje precisamos de um professor capaz de trabalhar com os outros colegas, que seja capaz de organizar as atividades do conjunto da escola em sua imensa diversidade, e não como em uma fábrica.
Gestão Educacional: Se cada escola é única, qual é o caminho para melhor proveito dopotencialdelas?
Nóvoa: Esse é um dos grandes desafios que temos pela frente. Eu me recordo daquela célebre frase de Jules Ferry[ministro francês da Instrução Pública no final do século 19], o homem que instalou o ensino laico, obrigatório e republicano, que disse uma vez, sentado em seu gabinete: “não há nada que me dê mais prazer na vida do que saber que neste dia, nesta hora, às 10 horas da manhã, todos os alunos, em toda França, estão a fazer o mesmo ditado”. Essa ideia de uniformização levada ao extremo por essa frase é obviamente o contrário do que precisamos hoje. Nós precisamos de uma escola que esteja enraizada na sociedade, em suas diferenças e que, por isso, seja capaz de construir projetos distintos e escolas diferentes. As escolas de formação de professores até 40, 50 anos atrás, em todo o mundo, chamavam-se escolas normais. E por que se chamavam assim? Porque eram escolas que pretendiam normalizar o ensino. Temos de fazer exatamente o contrário. Hoje, nós precisamos de escolas anormais. Precisamos de escolas que sejam o contrário dessa normalização e possam atender à diversidade de situações.
Gestão Educacional: Qual o papel do professor nesse processo?
Nóvoa: Todas essas mudanças levam a uma grande transformação do que são os processos de aprendizagem e, por essa via, isso também é papel do educador na contemporaneidade. O grande educador português Sérgio Niza diz que é preciso que os professores aprendam com a medicina a fazer diagnósticos. O professor precisa saber o que faz falta a uma criança ao invés de empurrá-la para fora da escola, de excluí-la da sociedade. Ele precisa utilizar o seu conhecimento em prol da inclusão e da capacidade de ensinar as crianças que não têm projeto escolar inscrito no seu percurso de vida. E, hoje, cuidar do aluno é cuidar de sua aprendizagem.
Gestão Educacional: Nesse contexto, qual a importância da formação continuada e da atualização do professor?
Nóvoa: Para que esse professor capaz de trabalhar com os outros colegas possa emergir, é preciso que haja um trabalho permanente de formação continuada. Uma formação continuada que não é ir fazer cursos, simpósios ou encontros, mas que está no interior do próprio trabalho da escola. A formação continuada se faz nesse exercício de procura, de reflexão e de debate. Muitas vezes, é preciso convidar alguém para ir à escola trabalhar com o grupo certas matérias ou as questões de tecnologia. Mas a formação continuada não é fazer curso disso ou daquilo, porque isso é completamente inútil do ponto de vista da formação continuada. No fundo, o que eu disse sobre a aprendizagem é coerente com a organização da escola: no interior da organização da escola está o problema da formação continuada do professor.
Gestão Educacional: No Brasil, várias reformas educacionais já foram feitas. Entretanto, os cursos de formação docente continuam obsoletos. A formação docente deve ser encarada como prioridade para resultados eficientes?
Nóvoa: Antes da formação docente, há um problema que hoje se equaciona em todo mundo: nós só conseguimos resolver muitos problemas da escola se conseguimos atrair para a profissão docente os melhores jovens, os mais motivados etc. Por muitas razões, os jovens não vêm para a profissão docente no Brasil nem no mundo. É uma profissão desprestigiada, muito violenta e muito difícil, mas que as pessoas acham que é fácil de desempenhar. Depois, temos um grande investimento para fazer na formação docente, e os cursos de formação estão totalmente inadequados e desajustados. Hoje, eles pararam no tempo e não têm sido capazes de se renovarem e se reorganizarem. Há ainda um terceiro problema, e que talvez seja o maior de todos, que é a fase de indução profissional, isto é, quando a pessoa acaba o curso e começa a ser professor. Esses dois ou três primeiros anos iniciais, momento em que se introduz alguém na profissão, são os anos decisivos do professor. Há 50 anos sabemos que esses são os anos mais importantes; no entanto, as pessoas estão completamente desprotegidas e sozinhas. E, depois, a formação continuada na perspectiva de que já falamos, ou seja, centrada na escola e em práticas de formação cooperada. No fundo, temos etapas importantes: o recrutamento, que é um tema muito importante das políticas públicas hoje, os programas de recrutamento do professor, a fase de indução profissional e, depois, a formação continuada.
Gestão Educacional: Qual a importância da valorização do professor nesse processo?
Nóvoa: Claro que as questões salariais são muito importantes nesse processo. Eu sempre digo aqui no Brasil que não há grande diferença entre o salário de um professor primário e o de um professor da universidade em Portugal. Já aqui há uma diferença enorme entre um e outro. Há também um problema de afirmação de uma cultura profissional, a qual chamo de colegialidade docente, que é a capacidade de trabalhar em conjunto. Tudo isso são fatores muito importantes de afirmação do prestígio do professorado, mas é claro que é uma guerra que vai demorar muito tempo.
Gestão Educacional: Como isso deve acontecer na prática?
Nóvoa: Depende muito de fenômenos que são internos e externos. O estatuto salarial e as condições de trabalho nas escolas – porque não há prestígio quando o professor está em duas ou três escolas – são exemplos de fenômenos externos. Outro [fenômeno] muito importante (que por razões históricas seria complicado explicar agora) é que os professores perderam o controle da formação dos professores, isto é, quem forma o professor não é outro professor. Ele é formado por pessoas que estão nas universidades e, muitas vezes, nunca entraram em uma sala de aula. Houve um afastamento entre a profissão e a formação. Isso desprestigia porque transforma a formação numa coisa mais técnica do que propriamente profissional. É preciso políticas que valorizem salarialmente o professor e que, nas universidades, aproximem os professores da formação. Os problemas internos à profissão residem em uma espécie de cultura individualista, na dificuldade de trabalhar em conjunto e nas dificuldades de ter práticas de avaliação da profissão. Por exemplo, um professor pode conviver facilmente com outro, em uma sala de aula ao lado da dele, que trata mal os alunos e é incompetente. O professor pode viver 10, 20 anos com isso porque sabe que, se for levantar algum problema, isso vai trazer um conflito. Os médicos, por exemplo, não convivem com isso. Se um médico cometer dois ou três erros profissionais, as pessoas reagem. Há uma dinâmica de autoavaliação no interior da profissão.
Gestão Educacional: Em muitas escolas, os alunos questionam a autoridade do professor e, até mesmo, são violentos. Como o professor pode fazer o aluno respeitar o ambiente à sua volta?
Nóvoa: As gerações anteriores sempre acham que se perdeu autoridade e que já não há respeito. O que se escrevia há 50 anos sobre autoridade e desrespeito é muito pior do que se passa hoje. Eu não digo que hoje não há problema; é claro que há, mas é preciso distinguir duas ordens de problemas: o discurso da indisciplina e o discurso da violência, que é inaceitável, porque violência na escola não pode acontecer de forma alguma. A indisciplina também não, mas é preciso ver de que tipo de situação estamos falando. E é preciso inteligência para lidar com isso. Acho que há muitos professores que têm uma espécie de autoridade natural, que se impõe por ela própria, e há professores que, por mais autoritários que sejam, não têm autoridade nenhuma. Aliás, isso nos remete ao pensador suíço [Jean Jacques] Rousseau,quando escreveu no livro Emílio que “a criança só deve fazer o que quer”. Essa frase é sempre citada pelos educadores, mas as pessoas não leem o que ele escreveu a seguir: “mas só deve querer aquilo que os professores querem que ela queira. A criança não deve dar um passo sem que o professor saiba o que ela vai fazer, a criança não deve abrir a boca sem que o professor saiba o que ela vai dizer". Isso é a ideia de uma autoridade que não se impõe pela força, mas pela capacidade de perceber o aluno e compreender o que ele vai fazer. Agora, se o professor deve ter autoridade? Claro, mas, para mim, a melhor definição é a do [filósofo alemão Immanuel] Kant, quando ele diz que o professor deve ter autoridade, mas que ela deve ser posta sempre a serviço da liberdade do aluno. Eu acho que é o ensinamento mais importante na área da educação: a autoridade não é para formar escravos, mas cidadãos livres e, por isso, ela deve ser posta a serviço da liberdade do aluno.

Rumo ao fundamental

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Envolta em expectativa tanto para as crianças, quanto para pais e escola, a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental impõe um desafio: integrar as duas etapas, evitando a ruptura entre brincadeira e letramento




“Dois, dois”, repetem as crianças da Emeb Vital Brasil, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, ao mesmo tempo em que mostram o número com as mãos ao serem questionadas sobre quando vão para o Ensino Fundamental. Com entusiasmo, mostram no calendário os dois meses até o final de 2012. A maioria delas vai para a Emeb Viriato Correia, a poucos metros dali. A proximidade é um dos fatores que faz muitas já conhecerem a nova escola.

A princípio, a questão sobre o que vão fazer no EF desperta mais respostas relacionadas ao brincar: “lá tem quadra e vamos jogar bola”, diz uma delas. Os dois parquinhos e o jardim encantado também são lembrados. Porém, a mesma questão acaba gerando outras respostas, como “vai ter muita lição de casa”, “vamos usar caneta e caderno grande”, dizem ao mesmo tempo. “Lição de letra de mão”, diz um aluno já alfabetizado, apontado por elas como inteligente, que, por sua vez, justifica a ida para a nova fase escolar para ficar “ainda mais inteligente”.


A percepção desses alunos dialoga com o panorama desenhado pela pesquisa Faz de conta que eu cresci: a voz da criança na transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, de Adriana Zampieri Martinati, coordenadora de área da Secretaria Municipal de Educação de Limeira (SP). Seu estudo com crianças na Educação Infantil, e no ano seguinte, com as mesmas crianças ingressando no EF, mostra a expectativa e a curiosidade sobre a nova escola, mas também a noção da ruptura, já que em alguns momentos elas dizem que farão “muita lição”, por exemplo. “Apesar de a legislação prever a articulação entre o EI e o EF, na prática se vê a escassez de um trabalho sistemático acerca da vida futura e pregressa destas crianças”, avalia Adriana.

Brincar desvalorizadoSe, num momento, a brincadeira é valorizada, no outro é a alfabetização que se torna prioridade. Se num ano, a criança deveria estar em um espaço livre e instigante, no seguinte ela deve ficar sentada na cadeira. Como minimizar o estranhamento e o impacto de uma transição imposta apenas pelo currículo, já que a criança é a mesma? Para Adriana, é preciso ouvir essas crianças, promover entrevistas, visitas à nova escola, festa de encerramento etc. “Tais ações permitem analisar as expectativas das crianças, aliviar tensões e angústias e promover maior segurança, além de um trabalho que contemple as diferentes formas de expressão, destacando o papel da atividade lúdica. Mas para isso é fundamental investimento maciço na formação continuada”, defende.

Os documentos da área enfatizam que, mesmo nos primeiros anos do Ensino Fundamental, as práticas pedagógicas devem garantir às crianças múltiplas experiências, dentre estas as brincadeiras têm relevância especial. Mas tanto na pesquisa prática quanto no levantamento teórico, Adriana identificou que no primeiro ano do EF a ênfase maior das escolas é na alfabetização e letramento. “Há professores que não reconhecem a importância do brincar. É uma questão ampla, porque nossa cultura desvaloriza isso, vê como uma atividade de recreação que, às vezes, até atrapalha a aprendizagem”, avalia.

As habilidades sociais da criança também merecem atenção, porque podem ser responsáveis pelos momentos mais estressantes na nova fase. A professora e psicóloga Gisele Regina Stasiak pesquisou a percepção do estresse entre as crianças durante essa transição. Em seu estudo, o relacionamento com os colegas e demandas não acadêmicas foram as situações que apareceram como as mais estressantes. “Não foi o que exigem delas, como a nota, mas a interação social”, explica. Como exemplo, ela cita algumas situações colocadas no estudo nessa categoria: ‘meus colegas não me convidaram para brincar’ e ‘a professora me deu bronca’. Assim, além da preparação gradual da criança, Gisele destaca a importância do desenvolvimento da sua habilidade social.

No contexto familiar, o estudo revelou duas variáveis importantes: a comunicação negativa dos pais (brigam e xingam) e a punição corporal. As crianças que viviam neste contexto apresentaram estresse maior. “Elas demonstraram o desejo de melhor interação na escola e na família”, relata. Para ela, a escola poderia propor aos pais um programa de qualidade na interação familiar.

Brincar letrando Vanessa Ferraz Almeida, professora adjunta da Faculdade de Educação da UFMG, defende que para se ter uma integração maior entre estes dois primeiros níveis é necessário trazer o brincar para a Educação Infantil, mas sem esquecer a linguagem escrita. E no Ensino Fundamental, priorizar a linguagem escrita sem esquecer que as crianças também brincam. “Por isso digo ‘brincar letrando’ ou um ‘letrar brincando’ que é uma paráfrase da Magda Soares do livro Letramento: Um tema em três gêneros, que fala da apropriação do código da leitura e escrita contextualizado pelas práticas sociais”, explica.

Para entender este processo, Vanessa acompanhou crianças de uma escola de EI da rede municipal de Belo Horizonte e, depois, o mesmo grupo no EF. Durante a pesquisa, ela observou que grande parte das rotinas, da organização do tempo e do espaço estava centrada em torno do brincar (entre 26% e 64% do tempo total) e das rodas de conversa (entre 5% e 25% do tempo total).

“Concordo com esta organização, entretanto, à medida que as crianças iam brincando, também procuravam se apropriar da cultura escrita”, oberva ela.

Surpresa com a busca incessante das crianças pela cultura escrita e pela leitura, a pesquisadora percebeu que elas queriam se apropriar de uma cultura grafocêntrica. Apesar de a professora das crianças colher este interesse, sua sistematização não aconteceu. Para ela e outros pesquisadores do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as crianças não têm de sair da EI sabendo ler e escrever, mas as habilidades e capacidades relacionadas ao letramento precisam estar presentes. 

Quando o ano acabou, ela conta que as crianças estavam felizes, brincando e com muita vontade de ler e escrever. No entanto, ao chegarem no EF, as rotinas e a forma de organização do tempo e do espaço não atenderam as expectativas. Mas mesmo em atividades sem sentido, as crianças começaram a brincar. Durante a atividade “Ligando formas iguais” – em que as crianças deveriam ligar os sorvetes iguais, passar o lápis no tracejado dos cones, colorindo-os de laranja, e colorir os sorvetes da cor que quisessem – , começou a brincadeira quando uma criança disse: ‘quem quer sorvete?’ E por meio da construção coletiva de uma sorveteria, criaram um contexto que deu sentido à atividade.

Salas heterogêneasSegundo Silvia Gasparian Colello, professora de psicologia da educação da USP, em geral a passagem da EI para o EF tem um significado de ritual. Ela conta que algumas crianças dizem: ‘agora, já estou no EF’, porque é algo importante e querem fazer dar certo. Por meio de novos desafios e aprendizagens, estimulando assim o avanço da criança, esse ritual pode assumir conotação positiva, e não de perda.

Mas proporcionar novas aprendizagens é desafiador para o professor que tem uma sala tão heterogênea no começo do EF, com crianças quase alfabetizadas ou alfabetizadas, e outras não. Silvia lembra, entretanto, que não existe classe homogênea em nenhuma circunstância: as pessoas são diferentes. “Isto não aumentou com a ampliação do EF para nove anos, mas, sim, com a democratização quantitativa da escola”, defende.

Outra cultura escolarPara a pesquisadora, uma alternativa é descentralizar, ou seja, dar atividades que possam ser feitas por duplas, por trios ou por grupos de crianças nas quais cada grupo possa desempenhar o seu papel. Isso faz com as crianças se ajudem e o foco de formação da classe se multiplique. “O problema é que a cultura escolar é muito centralizada no professor. Então há crianças que vão bem e outras que vão mal, e não é dada chance para quem tem menos expe­riência. Dividir tarefas é algo a ser construído e tão importante quanto a alfabetização”, diz.

“É preciso lembrar que o currículo não consiste somente em alfabetizar: há o aprendizado de matemática, de ciências, de estudos sociais, e tudo isso pode ser feito na forma de projetos”, diz a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC) e professora do programa de pós-graduação em Educação da PUC/SP, Maria Malta Campos, uma das autoras da pesquisa A contribuição da educação infantil de qualidade e seus impactos no início do ensino fundamental, rea­lizada pela FCC, que confirmou o que muitos estudos apontam: quem frequentou a Educação Infantil teve melhores resultados na Provinha Brasil e, se essa educação foi de qualidade, os resultados refletiam esse efeito também.






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Idade polêmica

A resolução nº 7 do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos e orienta que o aluno que não tenha 6 anos completos até 31/03 do ano letivo deve permanecer na Educação Infantil, tem gerado polêmica e diversas liminares na Justiça. Em jogo estão o entendimento do que vem a ser a educação nas duas etapas de ensino – a EI e os primeiros anos do Ensino Fundamental.

Em junho de 2011, Elisa Bekerman foi à Justiça para que o filho Guilherme, nascido em 06/07/2006, fosse matriculado no 1º ano do EF. Em São Paulo, a data de corte é até 30/06. Ela argumenta que apenas uma data não assegura se o seu filho tem condições de ir para o 1º ano. Ela procurou a Secretaria de Educação, onde prevaleceu a orientação do CNE, e depois buscou um advogado. “Como a escola não forneceu documento atestando sua aptidão para cursar o 1º ano do EF, foi preciso laudo de uma fonoaudióloga e um psicólogo,” explica. Hoje, Guilherme está no final do 1º ano. “Fiquei tranquila porque esta escola desenvolve muitas atividades lúdicas e brincadeiras”, diz Elisa.

Para a advogada especializada na área de educação Claudia Hakim, não se trata de colocar as crianças mais cedo no EF, mas, sim, de fazer prevalecer o direito de igualdade de tratamento. “As regras mudaram e feriram direitos constitucionais que garantem a educação das crianças”, defende a advogada, que tem mais de 145 liminares concedidas em mandados de segurança a respeito da questão.

Já para Vanessa Ferraz Almeida, professora adjunta da Faculdade de Educação da UFMG, a maioria dos pesquisadores em educação defende a permanência da criança na Educação Infantil por ser um espaço onde a brincadeira seria mais facilmente respeitada. Para a pesquisadora, a maioria das escolas do EF, na prática, não está preparada para as crianças de 6 anos, que dirá de 5. “Mas pensando na criança e não na realidade prática, até os 10 anos a criança precisa ter sala de aula adequada, parquinho e o tempo de brincadeira respeitado. Daí, a princípio, não faria diferença se ela está aqui com 5 anos ou ali com 6 anos”.