A construção da personagem Dr. Raimundo Pelado em “A terra dos meninos pelados”, de Graciliano Ramos
1937 - prêmio de Literatura Infantil do Ministério da Educação e Saúde;
Publicado em 1939;
Entre 1920 e 1945, a produção literária para crianças ganha destaque - Narizinho Arrebitado (1921);
Dez anos depois, Lobato dá início à etapa mais fértil da literatura infantil brasileira;
Romancistas e críticos de 30 compartilham deste período.
Sob a influência da palavra antecipável do outro, entra em polêmica interior;
“Dr.” Símbolo, importante, amplamente conhecido no meio social. Raimundo deturpa o apelido “pelado” por meio da polêmica;
Coloca-se numa forma superior em relação à hostilidade dos garotos;
Pelado: fundiu inteiramente sua voz;
Raimundo Pelado: reforça suas próprias palavras,
aceitando-as como autorizadas;
Dr. Raimundo Pelado: reveste terceiras palavras com suas intenções.
Teme que o outro possa imaginar que ele lhe teme a opinião. Mas com esse medo mostra justamente a sua dependência em relação a outra consciência. (BAKTIN, 1997, p. 232, grifo do autor).
Outra relação com o discurso do “outro”: vontade de fugir de seu julgamento;
Substitui com sua própria voz a voz de outra pessoa;
Desenvolve-se um diálogo sem fim da polêmica interior do herói com o “outro” e consigo mesmo.
Raimundo entristecia e fechava o olho direito. Quando o
aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a cara ficava toda escura. Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando. Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há
cabelos e as pessoas têm um olho preto e outro azul. (2007, p. 7).
A segunda voz passa de diálogo interior para diálogo aberto;
Os “outros” têm dúvidas sobre a sanidade de Raimundo;
A dúvida do “outro” interfere no seu comportamento (falar sozinho, brincar sozinho);
A exclamação retórica “estava nada!” pode ser interpretada como do autor, mas também, ao mesmo tempo, como exclamação da personagem orientada a si mesma.
Raimundo inicia a composição de Tatipirun: dosa e manipula o elemento, no caso a areia, que vai formar a serra de Taquaritu;
No final do embate das crianças, a polêmica emerge numa polêmica aberta;
Gradação em ordem descendente;
– Quem raspou a cabeça dele? perguntou o moleque do tabuleiro.
– Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? berrou o italianinho da esquina.
– Era melhor que me deixassem quieto, disse Raimundo baixinho. Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida foi fechando o olho esquerdo, não enxergou mais a rua. (RAMOS, 2007, p. 9, grifo nosso).
Raimundo ingressa numa nova história, que transcorrerá em Tatipirun;
Todos têm o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça raspada;
A palavra “dos outros” atua veladamente sobre o discurso de dentro para fora de Raimundo;
Diante de situações inexplicáveis, a “exceção” o atrapalha;
Raimundo não tem uma definição objetiva de si mesmo.
O seu discurso é exagerado e extravagante: “- Como vai sua princesência?
Raimundo é apressado em suas conclusões.
Personagens
Sardento – tem um “projeto”. Percebemos aí que Raimundo reconhece a diferença: “[...] a gente não é rapadura” (RAMOS, 2007, p. 48). A angústia é não ser aceito;
Caralâmpia – Respeito – “Por que é que não pode haver princesência?” / admite, nos outros, maneiras diferentes de pensar. Bakhtin (1997, p. 246) diz: o discurso penetrante é capaz de interferir no diálogo interior do outro, ajudando a reconhecer sua própria voz.
Despedida – “preciso estudar / consertar a minha lição de geografia” – reflexão / refazer;
E irrompe o monólogo de Raimundo com evasivas e réplicas;
A palavra com evasiva torna o herói ambíguo para si mesmo. Raimundo não sabe de quem é a opinião ou a afirmação. “Para abrir caminho em sua própria direção, ele deve percorrer um imenso caminho”. (BAKHTIN, 1997, p. 237);
Raimundo absorve as réplicas do outro e as reelabora. As palavras do segundo interlocutor não aparecem, mas determinam todas as palavras de Raimundo.
O discurso de Raimundo busca simular sua indiferença ao discurso do outro; no diálogo consigo mesmo, substitui com sua própria voz a voz de outra pessoa;
Ele busca abrir caminho em sua própria direção, mas não se libertou da influência do “outro”;
O seu discurso é exagerado, assim há um discurso com mirada em torno e com evasivas;
No universo imaginário, ele se transforma praticamente numa personagem de si mesmo e participa ativamente dos diálogos (diretos) que articula (via pensamento) com as demais personagens – refletores dos desejos, dúvidas, curiosidades desse menino que brinca sozinho por ser rejeitado pelos demais.
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