História meio ao contrário, (Ana Maria Machado / Humberto Guimarães), já inicia pelo tradicional desfecho “e viveram felizes para sempre”. Deste modo, o narrador introduz o leitor à história de outra forma: propondo a ele justamente outro ordenamento ao gênero.
Extensa parcela dos textos da literatura infantil está dentro do modelo elaborado por Propp, mas, acompanhando a produção contemporânea, História meio ao contrário transgride alguns aspectos do modelo proppiano que, entre outras características, dá preferência a personagens fixos.“É na ruptura com as funções tradicionais da personagem caracterizada pelo modelo proppiano que se esteia a parte mais significativa da produção literária contemporânea destinada à infância” (PALO, 1986, p.25).
Outra característica da literatura infanto-juvenil contemporânea é a meta-história ou a anti-história. “Ao desejar romper com a ordem tradicional nos planos interno e externo, os textos tendem a tornar-se paráfrase de outros”. (KHÉDE, 1983, p.14).
Para se entender então este ‘jogo’ de inversão é necessário que o leitor conheça os contos de fadas tradicionais com suas narrativas seqüenciais. Desse modo, na História meio ao contrário o narrador deixa claro à sua intenção: “Tem gente que só quer saber de histórias muito exatas e muito bem arrumadinhas – então é melhor mudar de história, porque esta é meio atrapalhada mesmo e toda ao contrário”, (MACHADO, 1986, p.5).
Após esta declaração do narrador, a história sobre o reino distante e encantado que não foi ‘feliz para sempre’ inicia com a introdução das personagens, até então, fixas, uniformes: o rei, a rainha e a princesa.
A incompreensão do rei sobre o pôr-do sol, resultado de sua ‘cegueira’, o faz julgar que o dia tenha sido roubado. Cria-se um ‘monstro’, que é a noite, pelo Primeiro Ministro para enganar o rei deixando-o alheio como sempre aos reais problemas do reino.
Nesta parte, a narrativa segue linear, e o rei propõe que quem liquidar o monstro se casará com sua filha. Aparece então um príncipe encantador (não encantado) que não está atrás do casamento com a princesa, mas, sim, de desafios.
O embate entre o príncipe e monstro não ocorre, pois ele começa a conversar com uma pastora e se esquece da batalha. “Mas enquanto conversavam e se olhavam, o tempo passava. O dragão foi ficando com sono, fechando o olho e se retirando. O sol começava voltar aos poucos, com coloridos parecidos com os do fim da tarde” (MACHADO, 1986, p.36).
Outra ruptura da função da personagem é não realização do casamento da princesa. Dessa forma, o acontecimento que daria o encerramento à história não acontece, pois a princesa recusa um casamento arranjado. “Meu real pai, peço desculpas. Mas se o casamento é meu, quem resolve sou eu. Só caso com quem eu quiser e quando quiser. O príncipe é muito simpático, valente, tudo isso. Mas nós nunca conversamos direito” (MACHADO, 1986, p.37).
Assim, contrapondo-se às funções fixas das personagens dos contos de fada, nos quais, ao final da narrativa, as princesas se casam com os príncipes que vencem as batalhas com monstros e vivem felizes para sempre, a princesa de História meio ao contrário, não se casa e escolhe viajar para outros reinos onde faz novos amigos.
E para contrariar mais as funções fixadas dos contos tradicionais, no final da história o príncipe se casa com a pastora e se torna um vaqueiro.
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