quarta-feira, março 11, 2009

O Cortiço: realismo ou naturalismo?

Qual o lugar que a obra literária de Aluísio Azevedo O Cortiço (1890) ocupa no realismo/naturalismo brasileiro?
Ao pesquisarmos parte da crítica sobre a obra de Aluísio Azevedo, observamos que responder a questão O Cortiço: realismo ou naturalismo se torna um desafio. E grande parte do problema se deve à confusão conceitual entre naturalismo e realismo que a domina.
Verificamos que essa confusão conceitual se deve em grande parte à crítica moral e ideológica sobre a obra de Aluísio Azevedo. Djacir Menezes, em Evolução do Pensamento Literário, sentencia: “Aluísio Azevedo seria o campeão do naturalismo... seu mestre é Emile Zola” (p.234). E Menezes relata a opinião da crítica da época sobre Zola. “A imagem de Zola pornógrafo ávido de escândalo, deliciado na putrefação da sociedade” (p.234).
Bezerra de Freitas, em Forma e Expressão no Romance Brasileiro, diz que muitos escritores se dedicaram para diminuir o valor da obra de Aluísio de Azevedo, mas ele também a diminui fazendo concessões a ela. “Os romances O Mulato, Casa de Pensão, O Cortiço constituem páginas do mais espesso naturalismo, não há dúvida, mas de irrecusável valor como documentos de uma época e demonstração da existência de uma literatura brasileira” (FREITAS, 1947, p.245).
Outra avaliação é a de que o naturalismo brasileiro foi uma cópia do francês. José Veríssimo, em História da Literatura, afirma isso e ressalta que há poucas obras notáveis frutos de Zola e de Eça no Brasil. Para ele, Aluísio de Azevedo é um nome de destaque, mas que segue a fórmula francesa, ou seja, é também um copiador.“O principal demérito do naturalismo da receita zolista, já, sem nenhum ingrediente novo, aviada em Portugal por Eça de Queiroz e agora no Brasil por Aluísio de Azevedo, era a vulgarização da arte que em si mesmo trazia” (VERISSIMO, 1963, p.260).
Veríssimo ainda lamenta a falta de êxito do naturalismo inglês no Brasil “tão sóbrio e distinto”, mas ressalta que este foi transmitido na ficção do “escritor que é a mais alta expressão do nosso gênio literário, a mais eminente figura da nossa literatura, Machado de Assis” (VERISSIMO, 1963, p.304).
Outra crítica que compara Aluísio a Machado é da historiadora Lucia Miguel Pereira. Para ela, Aluísio de Azevedo é inferior a Machado, pois este seria um representante do realismo psicológico e Aluísio do naturalismo. Na obra História da Literatura Brasileira, a historiadora justifica sua visão: “Por isso é que, falhando nos livros de análise psicológica, revela-se criador naqueles em que, como O Mulato, Casa de Pensão e, principalmente, O Cortiço, se lança aos grupos sociais”.(PEREIRA, 1957, p. 154).
Na obra O Romance Brasileiro Olívio Montenegro também desqualifica a obra de Aluísio por não ser a análise psicológica o seu “forte”.
No ensaio De Cortiço a Cortiço, Antonio Candido afirma que Aluísio de Azevedo se inspirou em L’Assommoir de Èmile Zola, para escrever O Cortiço e que em vários aspectos ele é inferior ao de Zola, mas o crítico atesta o caráter próprio e o modo de compor realista de Aluísio de Azevedo ao dizer que este reproduziu e interpretou a realidade que o cercava.
Na comparação com a obra de Zola, Candido também considera O Cortiço tematicamente mais variado, pois, segundo ele, Aluísio concentrou no mesmo livro uma série de problemas e ousadias que Zola dispersou entre os vários romances. O critico ainda ressalta que a originalidade do romance de Aluísio está na coexistência íntima do explorado e do explorador, “tornada logicamente possível pela própria natureza elementar da acumulação num país que economicamente ainda era semicolonial. Na França o processo econômico já tinha posto o capitalista longe do trabalhador” (CANDIDO,204, p. 126).
No estudo dos aspectos intrínsecos de O Cortiço, percebemos que o sentido da história é extraído da observação dos conflitos reais (sabe-se que Aluísio esteve em cortiços e observou temas sensíveis, sintomas de desintegração social). Observando a relação entre a fábula, ou seja, o material para a construção da narrativa e a forma como ela é contada, percebe-se o método realista da observação e da composição de Aluísio responsável pela verossimilhança interna de seu trabalho literário.
Na sua forma realista de compor, Aluísio constituiu planos narrativos como o nascimento, desenvolvimento, declínio e transformação do cortiço. O declínio do cortiço acontece com a desintegração das personagens.
Em Personagem e Anti-Personagem, Fernando Segolin ressalta que, para os formalistas, a personagem, em princípio apenas um dos componentes da fábula, só adquire status de personagem literária quando submetida ao movimento construtivo da trama.
Em O Cortiço as personagens não são estanques, elas transformam o meio e a si mesmas. O Cortiço é marcado pelas histórias de cada um que se compõem em um todo. E a força da obra está em suas raízes históricas.
Com poucas exceções, ao longo da obra, as personagens sofrem transformações: as lavadeiras por meio das perdas; Jerônimo com a desintegração social; Pombinha passa pela transformação emocional; Miranda não se transforma, é a expressão da classe média burguesa e com a família prepara a filha Zulmira para o casamento com João Romão que a integrará à sociedade inconsciente.
Bertoleza junto de João Romão é quem dá sentido ao romance.“A crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade” (AZEVEDO, 1992, p. 15), está no início da história e é quem a encerra: “Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado”(AZEVEDO, 1991, p. 207). A escravidão é um tema que perpassa toda a história e é ligada a outro: a substituição da forma pré-capitalista pela capitalista.
A personagem de João Romão é a que tem uma transformação brutal (ascensão social). Para se transformar em burguês (parar de trabalhar para dirigir os negócios), mudou sua fisionomia, com novas roupas, novos hábitos, mas às custas dos outros..
Mas se João Romão está em ascensão e o cortiço em declínio ele tem de aplicar o seu capital novamente local. “Fora-se a pitoresca lanterna de vidros vermelhos; foram-se as iscas de fígado e as sardinhas preparadas ali mesmo à porta da venda sobre as brasas; e na tabuleta nova, muito maior que a primeira, em vez de “Estalagem de São Romão” lia-se em letras caprichosas: “AVENIDA SÃO ROMÃO” (AZEVEDO, 1992, p. 183).
Ao estudarmos parte da crítica sobre a obra de Aluísio verificamos que responder a questão 'O Cortiço: realismo ou naturalismo' se torna um desafio pela crítica moral e ideológica realizada. O Cortiço é uma obra realista pela forma como Aluísio observa os acontecimentos e a compõe. Aluísio Azevedo tratou de temas sensíveis relacionados às transformações sociais.

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