Escrito por Analice Bonatto
“A gente pode dançar do jeito da gente”, respondem algumas crianças da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Pérola Ellis Byington, em São Paulo, quando questionadas sobre a experiência delas com a dança. Isso fica evidente, segundo a coordenadora Lucilene de Lucca Marini, quando se observa nas crianças maior autonomia de criação dos movimentos com o corpo. “A ideia não é aprender uma coreografia, fazer apresentações, mas sim ver no corpo um potencial de criação, de comunicação e de transformação”, conta a coordenadora. A dança contemporânea está no currículo da escola desde 2010. “Essa dança desestabiliza as propostas rígidas, não tem passos já coreografados para serem memorizados. Nela, todos podem dançar, imprimir sua marca e trazer sua história. Não há um padrão de bonito ou feio, de certo e errado. Há a intenção”, enfatiza Lucilene.
Essa especificidade e o diferencial da dança são essenciais na escola, porém frequentemente pouco compreendidos. O trabalho pleno com a dança requer que os alunos saibam realizar diversas leituras do mundo. “Não é uma dança de passo, de sequência, por isso não adianta o repertório estar presente, é preciso lê-lo. A escola tem a função de propiciar a arte como forma de leitura de mundo”, explica a professora e pesquisadora Isabel Marques, que dirige o Caleidos Cia. de Dança e o Caleidos Arte e Ensino, onde presta assessoria e consultoria a projetos e programas de educação continuada, comunicação e dança. É possível trabalhar esses conceitos com todas as turmas, porém com abordagens diferentes em função da faixa etária. “O perigo é fazer com que as crianças criem e [somente] o ensino médio se volte à técnica. Todos precisam de criação, de técnica e de repertório. Não associar conteúdo à faixa etária, mas sim a formas de ensino”, analisa Isabel, que tem mestrado em Dança pelo Laban Centre for Movement and Dance, de Londres (hoje Trinity Laban).
“Nós partimos do princípio de que a dança é o pensamento do corpo”, explica Gaby Imparato, coordenadora e professora do curso Comunicação das Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), único no Brasil, que privilegia a pesquisa e o processo criativo no curso de Dança. A coordenadora explica que, com base nesse conceito, o aluno precisa entender que, por meio da dança, o corpo traz questões para ser compartilhadas, a ser resolvidas. Dessa forma, o foco do trabalho é desenvolver um vocabulário próprio para investigá-las.
Segundo Isabel, como o corpo nunca está pronto, porque se constitui a cada instante pelos acordos com o ambiente, depende do professor estimular seu aluno a ser propositivo e encontrar outros caminhos e novas possibilidades. “O aluno sai do perfil dos condicionamentos porque está sendo estimulado a dar respostas mais complexas”, destaca a coordenadora.
Na Emei Pérola Ellis Byington, o Encontro de Dança,
construído por meio do diálogo com as crianças, acontece ao menos uma
vez por semana. “A dança passa pela contextualização, pelo fazer e pelo
criar que fluem em constante diálogo durante o encontro”, comenta
Lucilene, coordenadora da escola. Ela explica que a contextualização é
composta de situações de vida que dialogam com a proposta; já o fazer
consiste na criação de movimentos. Por fim, na apreciação, as crianças
são incentivadas a reconhecer os elementos da dança. Dessa forma, se a
criança quer mostrar o que a desacelera – e isso acontece, por exemplo,
quando está na praia –, ela se movimenta para mostrar isso. “Daí o outro
diz o que ‘leu’ [do movimento] e ela vê se conseguiu comunicar o que
queria. É um trabalho para elas perceberem as possibilidades do próprio
corpo”, explica.
Essa abordagem pedagógica em Dança, segundo Alba Pedreira Vieira,
Ph.D. em Dança e professora adjunta e fundadora do curso de graduação em
Dança do Departamento de Artes e Humanidades da Universidade Federal de
Viçosa (UFV) – que prioriza o pensar sobre o corpo –, alia autonomia,
criatividade e reflexão que se materializam pelo movimento pensante. “O
movimento é fundamental na formação do pensamento. Aulas de dança que
privilegiam essas orientações e também se articulam com a educação
somática enfatizam, por exemplo, a escuta, a fala e a percepção das suas
possibilidades comunicativas do corpo”, analisa Alba.O professor, por meio de várias propostas, é o mediador na construção do conhecimento do aluno sobre as suas sensações corporais. Dessa forma, ele auxilia o aluno a fazer conexões com o próprio corpo e possibilita o despertar da sua linguagem corporal. “A arte é linguagem. Hoje, a sociedade não tem entendido isso, porque compra a ideia do ‘corpo máquina’. Assim, esse escutar do corpo vai possibilitar ao aluno a conexão com ele mesmo e a relação melhor com o outro, com o meio ambiente, com seus colegas, com o espaço e no espaço. O espaço escolar, a meu ver, não deve privilegiar a performance virtuosa”, considera Alba.
Uso prazeroso e crítico
O colégio Marista Nossa Senhora da Glória, em São Paulo, tem tradição em dança. Há mais de 20 anos, essa arte é parte do processo educacional dos alunos, da educação infantil II ao ensino médio. Segundo Keila Roberta Dias de Castro, coordenadora do Núcleo Cultural da escola, o grande objetivo é propiciar vivência prazerosa durante o processo escolar que segue ao longo da vida dos alunos. “O objetivo é utilizar a dança como um recurso lúdico, capaz de enriquecer a aprendizagem”, conta a coordenadora. Anualmente, a escola realiza o festival Dance Glória e tem dois grupos que participam do Encontro Nacional da Dança (Enda).
De forma criativa e crítica, a dança pode promover a liberdade de expressão da criança e do jovem. A professora de Dança Iza Lotito, que trabalha com alunos do ensino médio, destaca a importância do trabalho nessa fase, que é “um salto na formação do sujeito”. Segundo ela, nesse período de transformações, o adolescente “não se acha” no seu corpo. Como a dança dialoga com o individuo, ele pode problematizar o seu corpo.
Dicas para inspirar projetos de dança na escola:
PARA LER:
Linguagem da dança: arte e ensino
Isabel Marques
Editora Digitexto
Arte em questões
Isabel A. Marques e Fábio Brazil
Editora Digitexto
VIEIRA, A. P. Ampliando a acessibilidade à arte, dança e cultura em escolas públicas mineiras. In: ENECULT, 6., 2010, Salvador. Anais... Salvador, 2010. Disponível em: www.cult.ufba.br/wordpress/24743.pdf.
O Departamento de Artes e Humanidades da Universidade Federal de Viçosa disponibiliza em seu site algumas publicações sobre a dança. Você pode conferi-las no link: www.educacaoparaasartes.ufv.br/index.php?area=publicacoes
PARA ASSISTIR:
Pina
Direção: Wim Wenders
Gênero: documentário
Nacionalidade: França, Reino Unido, Alemanha
Sonhos em movimento
Direção: Anne Linsel e Rainer Hoffmann
Gênero: documentário
Nacionalidade: Alemanha
Revista Profissão Mestre
Matéria publicada na edição de dezembro de 2013.
http://www.profissaomestre.com.br/index.php/especiais/arte-educacao/651-a-potencia-criativa-da-danca
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