terça-feira, maio 20, 2014

Inovação no ensino


Escrito por Analice Bonatto
Incorporar a tecnologia às atividades desenvolvidas em sala de aula é um desafio das escolas que se estende a outros setores. Em entrevista à Gestão Educacional, o engenheiro aeronáutico Ozires Silva, fundador da Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer – e ex-ministro da Infraestrutura, avalia que os investimentos em inovação ainda são insuficientes para o Brasil decolar. Ozires Silva conversou com a reportagem durante o II Fórum de Inovação Educacional, realizado durante o Geduc 2013, em São Paulo – evento em que mediou o painel “Desafios da formação educacional para a inovação tecnológica”, o qual contou com a participação do palestrante professor doutor Álvaro Toubes Prata, secretário nacional do Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e o debatedor Paulo Iudicibus, diretor de Inovação e Novas Tecnologias da Microsoft. O ex-ministro ressaltou a necessidade de esforços para estimular investimentos em educação e inovação e lembrou que cabe a cada um mudar esse rumo: “se a sociedade não for sábia, não fará um sábio”.

Gestão Educacional: O senhor declarou que o Brasil precisa de inovação para decolar. Em que setores o País deve apostar?

Ozires Silva: Em qualquer setor, no Brasil, existe insuficiência de inovação. O mundo hoje caminha em um passo acelerado rumo à inovação. E esta compete a cada um de nós. Quem estiver lendo esta entrevista certamente é alguém atraído pela inovação. Com essa motivação mundial por novos processos, que evidentemente abre um horizonte desafiador, não há setor que não precise disso para se desenvolver. Até nossa bem-sucedida agricultura tem tópicos de inovação que precisam ser colocados.

Gestão Educacional: O investimento em tecnologia foi uma das bases da Embraer. Como o senhor avalia o investimento desse setor atualmente no Brasil?

Ozires Silva: Insuficiente, porque a inovação brasileira vem de fora. Uma coisa curiosa é que nem encontramos por aqui “cabeças” que aceitem tecnologia brasileira nova, que precise ser testada. A última tentativa que eu fiz foi há cerca de seis meses, quando procurei por uma pessoa amiga, com algo novo para ser testado, e ela olhou indignada para mim e disse: “você quer que eu seja cobaia?”. No Brasil, os projetos têm que dar certo. Caso contrário, quem o lançou vai ter que pagar a conta. O Brasil precisa compreender esse processo, porque se a sociedade não for sábia, não fará um sábio. Assim, é preciso que a nossa sociedade compreenda os mecanismos da criatividade e da tecnologia para chegar à inovação, que se transforma em um produto comercializável, já que muita tecnologia nem sai da faculdade.

Gestão Educacional: De que forma é possível promover o potencial tecnológico do País?

Ozires Silva: Eu pensei bastante no porquê de o estado da Califórnia ser inovador. Pensando no desenvolvimento tecnológico, eu senti [por parte] do californiano uma vontade indômita de empreender. Na minha turma [Ozires Silva fez mestrado no Caltech – Instituto de Tecnologia da Califórnia], nenhum dos meus colegas procurava por emprego, porque eles queriam criar o seu próprio emprego, além de pensarem coisas novas o tempo todo. Por isso, não é surpresa que a Califórnia seja a pátria da tecnologia. É preciso olhar nossa sociedade como um todo e ver o que precisamos mudar para que a criatividade brasileira possa também extrapolar. E nem precisamos analisar muito o que é preciso mudar. Basta observarmos, por exemplo, as pouquíssimas marcas brasileiras no mercado internacional. Em um mundo em que a inovação é fundamental, nosso País quase não tem expressão. A Embraer é uma marca internacional, porque o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) confiou e abrigou nossos projetos iniciais, e essa segurança é fundamental para entrar no mercado.

Gestão Educacional: Que caminho o Brasil deve trilhar para conquistar uma educação estruturada?

Ozires Silva: O caminho deveria ser o da desestruturação, porque o processo fundamental da natureza é a diversidade. O projeto da natureza funciona e, por isso, deveríamos aprender com ela. Se observarmos uma árvore com cuidado, podemos perceber que não há duas folhas iguais. E, talvez, sem essa distância [que existe] entre professor e aluno. É preciso discutir e dar mais ênfase ao aprendizado.

Gestão Educacional: Como fazer para que a escola se adapte ao uso de tecnologias em sala de aula?

Ozires Silva: Os especialistas ainda não sabem. Por isso, precisamos muito dos debates sobre aprendizagem à disposição hoje para melhorar a eficiência das pessoas e prepará-las para essa sociedade cada vez mais complexa. Isso obriga rever o tempo de permanência na escola, o currículo e os mecanismos por meio dos quais se produz o aprendizado. E é preciso lembrar-se de algo muito sério: a criatividade e o progresso só ocorrem em um clima de liberdade e hoje, no setor educacional, temos muitas regulamentações que não têm mais sentido.

Gestão Educacional: Os alunos não são os mesmos de décadas atrás. Precisamos de um professor melhor preparado para o século 21?

Ozires Silva: Sem dúvida. Muitas vezes, por meio do acesso desta bonita democratização das chamadas tecnologias de informação e comunicação, o aluno chega à sala de aula já sabendo algo sobre o que será ensinado. Isso é maravilhoso e abre novos horizontes para o professor. Tenho a impressão de que uma aula assim é muito mais interessante e faz com que os alunos não encontrem nela algo chato e obrigatório, como nota e frequência, mas, sim, queiram estar nela porque é um ambiente interativo, leve, em que se aprende com mais rapidez.

Gestão Educacional: Como reter e desenvolver talentos nas instituições brasileiras?

Ozires Silva: A escola é uma transição. A pergunta correta seria sobre a retenção do trabalho desse aluno, mas lembrando que hoje os produtos são cada vez mais complexos, com ciclos de criação e de produção mais longos. Isso exige, efetivamente, especialistas que não podem ser perdidos, de modo que a retenção desse especialista no setor produtivo me parece mais importante que na escola. Agora, reter na escola, no sentido de que ele vá à escola, [também é importante]. Não podemos deixar nenhum aluno para trás.

Gestão Educacional: Quais políticas públicas e ações são necessárias para que esses talentos fiquem no Brasil, para que não sejam recrutados por potências, como Estados Unidos e Ásia?

Ozires Silva: Ao olharmos para o mundo hoje, emergem duas palavras de extrema importância: mobilidade e comunicação. A mobilidade, inclusive, graças ao avião, permite que as pessoas se comuniquem bastante, de forma rápida e fácil. Então não há a possibilidade de restringir. Potências, como os Estados Unidos e a Ásia, são realmente atrativas, então devemos criar o mesmo clima por aqui. Hoje, no mundo, não há mais competição simplesmente entre empresas; há competição entre países, como é o caso da Coreia do Sul e da China, onde a soma do setor privado e do governo faz com que estejam ga­nhando na competição mundial. Eles se tornaram polo de atração justamente por meio de uma cooperação entre o governo e o setor produtivo. Por aqui, parece que o governo está em um canto e o setor produtivo, em outro. Com isso, abrimos espaço para que eles entrem. O que temos que fazer é tornar nosso País atrativo e essas tecnologias complexas devem ser aplicadas mais intensamente. Mas, evidentemente, como o povo brasileiro confia no governo, este tem um papel muito importante em entender isso e tornar o que é uma pergunta uma resposta.

Gestão Educacional: É possível ensinar inovação?

Ozires Silva: Eu tenho um caminho pessoal e penso que a participação da sociedade é extremamente importante, porque ela influencia cada um de nós. Eu nasci em Bauru [SP], cidade relativamente pequena à época, e na minha escola havia um professor de Química que era fã incondicional de Santos Dumont. Assim, em toda oportunidade que aparecia, ele falava sobre o aviador. Eu ia ao aeroclube da cidade e via que todos os aviões eram americanos, daí aquilo bateu na minha cabeça, já que Santos Dumont, um brasileiro, foi o precursor da aviação. Comecei a discutir com os companheiros: vamos cruzar os braços e deixar os americanos ocuparem o mercado? Ou seja, já estava entrando em um processo de pesquisa, que precisa estar presente no que chamamos de inovação, e que é fundamental para pensarmos em como chegar ao mercado com tecnologia. Depois, uma série de circunstâncias me permitiu conseguir uma bolsa integral para poder me formar engenheiro ae­ronáutico. E com a qualificação, o local certo e a vontade de chegar lá, em geral, consegue-se isso.

Gestão Educacional: É possível termos um país desenvolvido se não temos força em patentes?

Ozires Silva: Aqui, no Brasil, acreditamos que as pesquisas devem ser conduzidas nas universidades. No mundo desenvolvido, mais de 80% das pesquisas são conduzidas pelas empresas. O MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) – um dos principais centros de pesquisa nos Estados Unidos – é considerada a universidade que mais produz patente, mas ela não chega a gerar 15% das patentes dos Estados Unidos. Nós precisamos encontrar mecanismos, estímulos e recursos para que as empresas se envolvam diretamente nesse processo por aqui. É o caso da Embraer, que investe e trabalha com pesquisa o tempo todo para manter a competitividade mundial. É uma força de trabalho imenso e é o que faz com que ela seja uma das empresas que mais investe em inovação.

Gestão Educacional: Como desenvolver o empreendedorismo na área educacional?

Ozires Silva: Desde os meados da década de 1990, o Ministério da Educação abriu muito mais opções para a iniciativa privada entrar na área educacional. O próprio desempenho do setor privado nessa área mostra o que aconteceu: hoje, quase 80% dos jovens em curso superior estão em escolas privadas. Isso também demonstra que foi trazido um recurso que já existia no Brasil para o ensino. E isso, sem dúvida, deve continuar, porque cada vez mais vemos que o governo se agigantou, tem um nível de arrecadação enorme, mas está devolvendo pouco [em recursos e melhorias] para a população. Dessa forma, a área privada é um terreno extremamente fértil para o setor educacional.

Gestão Educacional: O que o senhor pode dizer aos gestores educacionais que buscam o sucesso de suas instituições?

Ozires Silva: Eles devem fazer uma boa gestão, porque, infelizmente, as escolas privadas pagam impostos e são tratadas como empresas. Nós devíamos eliminar isso. É possível verificar o que institucionalmente poderia ser feito para que as escolas tenham um tratamento diferenciado em relação às empresas. E que a sua gestão seja aprimorada, no sentido de que efetivamente responda aos anseios da comunidade. Porque a escola não é avaliada pelo seu lucro, mas, sim, pela qualidade dos alunos que forma. E, para finalizar, um lembrete: a inovação, hoje, caminha cada vez mais ao lado da educação competente e temos que pensar que vivemos em um mundo de crescente competência. Também devemos parar e refletir sobre a importância da educação para todos nós: onde estaríamos agora se não fosse a educação? Nós vivemos em um país grande geograficamente, mas pequeno do ponto de vista econômico e cultural.

http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/541-inovacao-no-ensino

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