por Analice Bonatto | Especial para a revista FH
Professor da FMUSP Mário Scheffer afirma que, apesar dos avanços, há muitas falhas que precisam ser corrigidas. Ainda morrem 30 pessoas de aids por dia no Brasil e boa parte dos pacientes chegam tarde aos serviços de saúde
O professor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Mário Scheffer lançou o livro “Coquetel: a incrível história dos antirretrovirais e do tratamento da Aids no Brasil”. Nele, o autor conta a trajetória do combate à doença no País e mostra a necessidade de dobrar o número de atendimentos.
A primeira parte do livro conta a evolução dos antirretrovirais – de 1986, ano de surgimento do AZT -, aos dias de hoje. Como era o tratamento neste período e a partir de quando ele evolui?
Mário Scheffer: Se comparada a outras doenças, o tratamento da aids passou por uma verdadeira revolução em 25 anos, desde a descoberta do AZT. No começo dos anos 1990, surgiram outros medicamentos que eram combinados com AZT. Mas os benefícios eram modestos, passageiros e a aids ainda era uma sentença de morte. A grande mudança veio em 1995, quando surgiram remédios mais potentes, os inibidores da protease, com capacidade de inibir a replicação viral, recuperar o sistema imunológico das pessoas infectadas, reduzir a ocorrência de infecções intercorrentes e outras morbidades. Depois surgiram várias classes que agem em momentos diferentes do ciclo de vida do HIV, mais eficazes, com menos efeitos adversos e mais fáceis de consumir, além de alternativas para pessoas resistentes a medicamentos antigos. Hoje existem 30 antirretrovirais, que podem ser combinados, daí o nome coquetel.
O Brasil acompanhou essa evolução? E quais fatores permitiram o acesso de tantas pessoas aos medicamentos? E o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) nesse processo?
Mário Scheffer: O Brasil tem um programa que distribui 21 antirretrovirais e mantém 250 mil pessoas em tratamento, no sistema público. Graças também à produção local de parte desses medicamentos, em forma de genéricos. No Brasil, houve uma rara combinação de marcos legais – nossa Constituição, uma lei específica que obrigava o governo a fornecer o tratamento da aids -, e a decisão política desde o início da epidemia, o que nos levou a investir recursos, criar programas e corpo técnico. Sem dúvida, a mobilização das pessoas atingidas que se juntaram em ONGs e lutaram pelo seu próprio destino foi decisiva. E deve ficar claro que sem o SUS não teríamos essa resposta que salvou a vida de milhares de pessoas.
Hoje 250 mil brasileiros recebem antirretrovirais do SUS. De acordo com o seu estudo, o País precisa e tem condições de dobrar o número de atendidos. O que é preciso mudar para que isso ocorra?
Mário Scheffer: Nos últimos anos, pesquisas científicas demonstraram a importância dos ARV na prevenção e na redução da transmissão do HIV. Quanto mais pessoas em tratamento (desde que haja adesão, que tomem corretamente a medicação) haverá menor circulação do vírus. Além do benefício terapêutico individual, passa a ter também um benefício preventivo global. Por isso é tão importante que as pessoas façam o teste de HIV, iniciem o tratamento na hora certa, o quanto antes, isso traz ganho individual para saúde, mas ganho coletivo também. O que se discute ainda é uso de medicamentos antes e depois da exposição ao vírus da aids. Por tudo isso, o Brasil precisa dobrar o número de pessoas tratadas. Além disso, há muitas falhas que precisam ser corrigidas. Com todos os avanços, ainda morrem 30 pessoas de aids por dia no Brasil e boa parte dos pacientes chegam tarde aos serviços de saúde, já doentes, pois não fizeram o teste de HIV e não se beneficiarão dos medicamentos disponíveis.
Livro: Coquetel: a incrível história dos antirretrovirais e do tratamento da aids no Brasil
Editora: Hucitec/Sobravime
Autor: Mário Scheffer
Número de páginas: 226
Editora: Hucitec/Sobravime
Autor: Mário Scheffer
Número de páginas: 226
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