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Escrito por Analice Bonatto
Das bancas de jornal às livrarias. Na contramão das teorias da década de 60, que apontavam a história em quadrinhos (HQ) como um subgênero da Literatura ou como subliteratura, atualmente ela ocupa lugar de destaque no campo das artes. “Trata-se de uma arte complexa e deve ser entendida como uma arte híbrida, campo fértil das relações entre as diversas linguagens, em especial, entre a imagem e o texto. E ela só existe nessa interação entre o visual, o verbal e o sonoro”, avalia a professora doutora Sonia Melchiori Galvão, que é coordenadora do curso de Letras e da Pós-graduação em Literatura: Teoria e Crítica, da Faculdade São Bernardo (Fasb), de São Bernardo do Campo (SP).
Professores que já usam a HQ em sala de aula argumentam que elas são um campo rico para se trabalhar com trocadilhos, ambiguidades, ironia e humor, facilitando a aprendizagem. “Vejo muitos benefícios em incorporar esse formato como parte da metodologia para o ensino da literatura, das artes e da linguagem”, diz o mestre em Educação e professor de Literatura e redação, André Luis Rosa e Silva. “Hoje, é possível encontrar várias edições de clássicos da literatura nessa versão e a sua correlação com o cinema e as artes plásticas pode fornecer base para um trabalho transdisciplinar, em especial na produção de textos, em que a criatividade e o trabalho em equipe se desenvolvam de forma lúdica e com grande impacto no cotidiano dos alunos”, ressalta.
Esse impacto pode ser observado pela aproximação rápida do estudante com a obra, produzindo certa intimidade pela informalidade da linguagem que facilita o desenvolvimento das habilidades e competências que se pretende. “Também a riqueza dos traços estéticos visuais proporciona ao aluno uma viagem do imaginário amparada pelas imagens e amplia a possibilidade de leitura de mundo”, diz Sonia.
Nas escolas
O trabalho com HQs já pode ser proposto nos primeiros anos escolares. No Colégio Humboldt, em São Paulo, os alunos têm aula de leitura, uma vez por semana, desde o 2º ano do ensino fundamental e muitos se tornam leitores a partir do contato com os quadrinhos. A professora Carolina Yokota trabalha a produção de HQs com os alunos do 6º ano e conta que eles adoram criar as histórias e desenhar. “É uma linguagem que os alunos conhecem muito bem”, diz Carolina, que é professora de Língua Portuguesa e já trabalhou como roteirista de histórias em quadrinhos.
Antes da produção, a professora ressalta a importância de se levantar as características e particularidades do gênero. Em duplas, os alunos discutem como será o personagem, a história e, num segundo momento, desenvolvem a história. Finalizado esse processo, o material é colocado no mural que é exposto na escola.
Com o tema central “herói”, Anaí dos Anjos Marinho Teles, professora de Artes da Escola Internacional de Alphaville, em São Paulo, também desenvolve um projeto, em conjunto com a disciplina de Espanhol, para a garotada do 7º ano criar sua HQ. Ela conta que, por meio de uma linguagem acessível como a das HQs, os alunos produzem histórias e elaboram conceitos com base no repertório individual. Antes da produção, ela contextualiza e traz referências sobre o gênero para a sala. “No caso da disciplina de Artes, quero mostrar que nessa linguagem há diferentes formas de produção”, explica ela.
Depois disso, os alunos começam a compor o personagem. “Eles pensarão na complexidade desse personagem para conquistar a atenção do público”, explica a professora. Quando o roteiro está pronto, é feito um esboço da história que possibilita pensar melhor nos elementos visuais para contá-la: “nessas aulas, discutimos, por exemplo, uma cena de ação que pode se fragmentar por vários quadros”. E para o esboço final, escolhem o material a ser usado, como aquarela sobre nanquim. Coletivamente, depois das histórias prontas, montam o boneco da revista que irá para a impressão.
Divulgação científica
Hoje, há materiais que enfocam a Ciência, a Física, o Cálculo, a Eletricidade utilizando personagens mangás para conversar com o leitor. Esse é o caso dos Guias Mangás – Guia Mangá de Eletricidade, Guia Mangá de Estatística entre outros temas, da editora Novatec. Com muitos exemplos do mundo real e personagens sagazes e divertidos, é um poderoso meio para divulgar ciências.
Para a professora doutora Karina Omuro Lupetti, uma das coordenadoras do Núcleo Ouroboros de Divulgação Científica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a divulgação da ciência pode ser desfavorecida se o formalismo dos termos científicos for excessivamente utilizado e não for considerada a característica do seu público-alvo. O Núcleo Ouroboros desenvolve há sete anos projetos que utilizam as artes, como teatro, ilustração, música para divulgar ciência ao público em geral. Em 2010, o projeto Sigma Pi foi iniciado com o propósito de incentivar a produção da coletânea de mangás pela desenhista e estudante de Química, Adriana Yumi Iwata (http://www.sigmapi-project.com). “A revista envolve conteúdos de Química aliados à temática dos romances feitos para meninas (shoujo), dos mangás japoneses”, explica Karina.
Como usar a HQ em sala de aula
Para ampliar o potencial de uso da HQ em projetos na escola, deve-se considerar todas as possibilidades da relação entre as linguagens. Dessa forma, a HQ pode ser explorada na seguinte sequência (em etapas):
ETAPA I
- Apresentação e análise do contexto de criação da HQ escolhida;
- Apresentação e análise de seu suporte de veiculação (jornal, revista empresarial, meios tecnológicos – blog, redes sociais, programas de TV, etc.).
ETAPA II - Análise dos elementos verbais
- Análise dos aspectos narrativos do texto: sequência narrativa; construção de personagem; análise do tempo e do espaço e de que forma ambos dialogam com a estruturação do enredo e da personagem; análise dos aspectos linguísticos.
ETAPA III – Análise dos elementos não verbais
- Exploração da imagem: traços, cores, movimentos, tipos de balões, técnicas empregadas, elementos tipográficos (tamanho, cor, formato, disposição na página), etc.;
- Exploração dos elementos sonoros (geralmente provenientes de onomatopeias).
ETAPA IV – Análise da produção de sentido e discussão de temas
- Efeito de humor ou de ironia;
- Discussão temática;
- Análise crítica, com base na interação do verbal com o não verbal, observando-se as competências e habilidades a serem desenvolvidas;
ETAPA V – Desenvolvimento de projetos (exige a pesquisa integrada). Algumas sugestões:
- Projeto de criação de HQs pelos alunos (existem programas específicos na web);
- Criação de storyboard de obra da Literatura e transformação em cinema de animação (stop motion);
- Desenvolvimento de HQ para criação de net-novela com veiculação na web;
- Transposição de obras da Literatura para os quadrinhos.
Fonte: Professora doutora Sonia Melchiori Galvão
fotos: Leandro Andrade
Sugestões de HQs para usar com seus alunos:
- Quadrinhos de Will Eisner
- HQs nacionais: Chiclete com Banana, Piratas do Tietê, Níquel Náusea, Pasquim
- Clássicos estrangeiros: Calvin, Mafalda, Asterix, Tin Tin e Peanuts
- Desvendando os quadrinhos, de Scott McCloud (M.Books)
- Maus, de Art Spiegelman
- A Nova Califórnia, de Lima Barreto (Francisco S. Vilachã / Escala Educacional / editora Escala)
- Frankenstein, de Mary Shelley (tradução de Helô Beraldo / Larousse Jovem / Editora Escala)
- Os Sertões - A luta, de Euclides da Cunha (Carlos Ferreira (roteiro) / Rodrigo Rosa (desenhos) / Editora Ática)
Matéria publicada na edição de maio de 2013.
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